O Compromisso
Dilatório
A Constituição consagra em
si os valores vigentes numa sociedade. Incumbe ao Estado não apenas
respeita-la, mas também garantir a sua efectivação. Com o afastamento da
concepção liberal do Estado de Direito, e a descoberta da necessidade de uma
faceta presatacional, a tradicional concepção de não intromissão na esfera dos
particulares deixou de ser válida. Nomeadamente com o surgimento dos direitos
sociais, que são direitos positivos - direitos a prestações ou actividades do
Estado. E aqui entra a Administração Pública que desenvolve estes direitos
assim afirma professor Vasco Pereira da Silva existir uma dupla dependência do
Direito Administrativo em relação ao Direito Constitucional e do Direito
Constitucional face ao Direito Administrativo - O direito administrativo
analisa os valores constitucionais efectivando-os, por outro lado a realização
destes valores é essencial para a própria logica constitucional, sob a pena de
se cair no conceito de uma Constituição puramente formal, sem nenhum reflexo na
realidade.
A parte I da CRP, dedicada
aos direitos liberdades e garantias é uma das mais extensas e densas da CRP. Para
além do Direito ao ambiente, à genética surgem direitos novos em termos
procedimentais. É aquele que incide directamente sobre a posição das pessoas, e
é aquela que conforme a ordem jurídica infraconstitucional. Considera-se que
esta juntamente com a organização económica contribui, para a definição do tipo
Constitucional de sociedade. Está nela consagrado um catalogo de Direitos
Fundamentais que abrange as suas sucessivas sedimentações ou gerações de
direitos – os tradicionais Direitos, Liberdades e Garantias, conquista das
revoluções liberais, os direitos de participação politica, emergentes da
superação politica do Estado liberal; os direitos positivos de natureza
económica e social, e os chamados direitos de 4ª geração - o Direito ao Acesso
à Justiça, tal como o Direito à Audiência, Direito da Participação, são
direitos fundamentais, Direitos ao Ambiente e à qualidade da vida.
O direito de acesso à
justiça administrativa, concebido como Direito Fundamental insere-se no quadro
da constitucionalização do processo administrativo e contribui para tornar mais
efectiva a ligação entre CRP e Processo. Por outro lado, a própria ideia da CRP
que se aplica directamente1 evidencia esta dupla dependência entre o
preceito Constitucional e o direito administrativo.
Segundo professor Vasco
Pereira da Silva a constituição de 1976 é uma constituição compromissória - “O
compromisso entre o velho e o novo”. É uma constituição que acumula várias
realidades compromissórias - aquilo que o Carl Schmitt chamou “compromisso
dilatório” (com esta sua teoria Carl Schimtt tem um objectivo muito claro –
criticar a Constituição de Weimar. Schmitt afirma que a Constituição de Weimar,
embora contivesse decisões politicas fundamentais sobre a forma de existência
politica concreta do povo alemão, possuía no seu texto inúmeros compromissos e
obscuridades que não representavam decisão alguma, pelo contrario a sua decisão
tinha sido adiada – denominados “compromissos dilatórios, frutos de disputas
partidárias que adiaram a decisão sobre certas temas. Nestes dispositivos a
única vontade é a de não ter, provisoriamente, nenhuma vontade naquele assunto.
Os compromissos dilatórios seriam particularmente perceptíveis entre os DF,
cuja garantia seria…). Assim definido o compromisso dilatório professor Vasco
Pereira da Silva transporta-o para o Direito Português, e porquê? A
Constituição de 1976 acumulava princípios contraditórios (p.e. é
uma constituição mais “demorada” de ponto de ponto de vista económico –
consagrava a liberdade económica, mais também era de certo modo política,
porque fazia-se um apelo à convenção colectiva). Olhando para trás foi exactamente
isso que aconteceu: todas as revisões constitucionais foram também alteração do
conteúdo material, mudança do tal “pacto” (a própria concepção do professor
Jorge Miranda da evolução Constitucional, evolução constitucional no sentido de
ruptura material da fase do compromisso).
Com as sucessivas revisões
constitucionais, mas também pela prática jurisprudencial esta logica de
compromisso vai ser alterada.
Manifestações do modelo do
compromisso no Contencioso Administrativo:
A CRP de 76 marcou a ruptura
com a realidade constitucional portuguesa ao nível da justiça administrativa,
estabelece-se a jurisdicionalização plena e integral do Contencioso
Administrativo, 202.º, e a consagração da tutela plena das relações entre
particulares e Administração, n.ºs 4 e 5 do 268.º Verifica-se um duplo
compromisso, quer ao nível da Justiça Administrativa, assegurando um direito efectivo
de recurso aos tribunais, quer ao nível da noção de acto administrativo. Ao
nível da Justiça Administrativa institui-se um novo modelo jurisdicionalizado,
visando a tutela dos direitos dos particulares, manifestado pela qualificação
dos tribunais administrativos como verdadeiros tribunais e o seu acesso passa a
ser considerado um direito fundamental.
É a CRP de 76 introduziu os
Tribunais Administrativos se continuassem a existir integravam-se no poder
jurisdicional, tornaram-se em verdadeiros órgão do poder judicial. Por outro
lado consagra um Direito Fundamental de Acesso à Justiça Administrativa. Ela
marca o início de um CA virado para a tutela dos particulares. O direito de
acesso à justiça é consagrado em 76 como direito ao acesso ao recurso contencioso
de anulação. Era reconduzido ao único instrumento restritivo de controlo da
administração (serve para controlar actos administrativos e ainda serve para
anular as decisões administrativas. Mas a questão vai mais longe – abrange os
actos administrativos executórios, mantendo-se do regime anterior a necessidade
de o acto ser definitivo e executório, para ser recorrível.
Este 1º período de 76 a 82
(com a 1ª revisão constitucional) – há alterações mínimas correspondentes a
esta logica constitucional. A única legislação que vai sair neste período é um
diploma, que corresponde ao mínimo ético (decorrente da constituição), mas que
nas palavras do professor Vasco Pereira da Silva corresponde a logica de “cirurgia
de urgência” ou seja, é algo provisório, que ficará a espera da reforma para
concretizar melhor a constituição (era o mínimo que depois tinha que ser
desenvolvido). Surgiram outros diplomas transitórios para resolver problemas no
imediato, sempre a espera da grande reforma. DL 256-A/77 - vem regulamentar os
regimes de fundamentação dos actos administrativos, das omissões e sua
impugnação contenciosa, e da execução das sentenças dos Tribunais
administrativos. Estabelecia um direito de defesa – o dever de fundamentação
(fundamental para controlar a administração). Esta medida não era só
contenciosa, mas teve consequências contenciosas. Houve duas outras medidas
importantes:
1º Relativamente à
impugnação do chamado acto tácito indeferimento (ainda não foi a altura em que
se acabou com esta presunção de acto administrativo, mas que não realidade não
existia nada, pois a administração não tinha feito nada, no entanto fingia-se
que a administração tinha praticado um acto administrativo, acto este que podia
ser impugnado e defendia-se: não fazer nada é um acto voluntário! Na verdade,
refere professor Vasco Pereira da Silva e bem, trata-se da a anulação de um
acto fingido!
2º A consagração de um dever
de execução. Até aí a execução de sentenças tinha sido uma graça da
administração. Se não as executasse não lhe acontecia nada. O DL 350/57
estabeleceu o 1º sistema de execução de sentença, criando a obrigação da sua
execução e a responsabilidade civil disciplinar do titular do cargo que não
cumprira esta decisão, ou seja, criando mecanismos que conduziam a efectiva
execução das sentenças. De certo modo remeteu para o Processo Civil.
O resto da realidade
administrativa manteve-se.
Em 82 – a Constituição alterou
o compromisso originário - estabeleceu-se que este direito ao acesso à justiça
administrativa, que afirmou ser concebido como direito ao recurso e incidindo
apenas em actos executório. Duas coisas apontam para o alargamento do âmbito de
um novo contencioso administrativo. I) No art. 268/3 – o CA servia para
impugnar actos administrativos executórios, assim servia para proteger Direitos
normativamente protegidos – direitos dos particulares (foi acrescido na norma
que previa o recurso de anulação a norma que prevê protecção de DLG dos
particulares e por outro lado o acto administrativo que era antes definitivo e
executório, passava a ser também material – acto administrativo
independentemente da sua forma (que demonstra alguma abertura do Contencioso Administrativo).
Com a jurisdicionalização do
recurso de anulação, o processo, torna-se pela 1ª vez um processo de partes,
igualdade formal entre a administração e os particulares. Até ai o particular
apresentava o pedido e a administração não era obrigada a contestar. A partir
de agora há um processo de partes no recurso de anulação.
A variedade de diplomas
aplicáveis não só dificultava o trabalho dos juristas como também impediu que
houvesse uma verdadeira reforma do Contencioso Administrativo.
Até que há uma nova revisão
Constitucional e uma alteração do paradigma Constitucional. Em 89 –
autonomiza-se a justiça administrativa – aquilo até ai era uma faculdade, passa
a ser uma opção Constitucional – o legislador cria os Tribunais
Administrativos e Fiscais como uma espécie de Tribunais. Por outro lado as
relações jurídicas entre o particular e a administração - há uma relação
jurídica, há uma igualdade igual que deve reconduzir a igualdade
processual. A logica do Contencioso Administrativo vai se alterar. Mas também a
própria ideia do acesso à acção administrativa vai ser recuperado – mantem-se o
direito o acesso dos actos administrativos, embora aqui já um direito a
integração que incide sobre actos susceptíveis de lesar direitos dos
particulares (é a versão mais subjectiva do Contencioso Administrativo) – é
um contencioso feito de forma a proteger os interesses dos particulares.
E isso é o Caminho para uma
nova justiça.
Em face da reforma do
Contencioso Administrativo de 2004, podemos considerar que, finalmente a
legislação ordinária respeita o texto fundamental, no que diz respeito à realização
do princípio da protecção plena e efectiva dos direitos dos particulares
através dos meios processuais principais, cautelares e executivos.
Não nos podemos esquecer que
o Contencioso Administrativo é feito para resolver os problemas concertos de uma
sociedade numa determinada época histórica, com as sucessivas crises
financeiras, o Contencioso Administrativo tem demonstrado uma certa rigidez,
mas enfim quando as próprias opções politicas não respeitam a Constituição,
poderá isso ser exigido a um Contencioso Administrativo?
1.
Teoria da eficácia directa – art. 18 CRP
consagra a eficácia das normas consagradoras de Direitos, Liberdades e
Garantias (doravante DLG). Resta saber de que forma é que se concebe esta
eficácia? Segundo a tese da aplicação directa, as normas consagradoras de DLG
aplicam-se directamente no comércio jurídico entre privados. Teoria que se opõe
a teoria da eficácia indirecta, segundo a qual a vinculatividade destas
exercer-se-ia prima facie sobre o legislador, que seria obrigado a conformar as
referidas relações obedecendo aos princípios mátrias consagrados na CRP
Bibliografia:
O
Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, Ensaio sobre as Acções no
Novo Processo Administrativo (2ª Edição) – VASCO PEREIRA DA SILVA,
Constituição
da República Portuguesa - Anotada - Volume I - Artigos 1º a 107º
VITAL MOREIRA,
GOMES CANOTILHO