terça-feira, 17 de abril de 2012





      1. Discuta à luz do direito à tutela jurisdicional efetiva o regime especial dos processos relativos a atos administrativos de aplicação de sanções disciplinares previstas no Regulamento de Disciplina Militar
      Discuta à luz do direito à tutela jurisdicional efetiva o regime especial dos processos relativos a atos administrativos de aplicação de sanções disciplinares previstas no Regulamento de Disciplina Militar
      O direito à tutela jurisdicional efetiva consiste hoje num dos princípios basilares do Contencioso Administrativo consagrado no artigo 3º CPTA (Código de Procedimento dos Tribunais Administrativos)
      Esta garantia, consagrada hoje em sede de Direito Constitucional nos artigos 20º e 268º/4 e 5 CRP, permite que os particulares possam ver os seus direitos e interesses protegidos face às entidades administrativas.
      Desta garantia decorrem vários direitos para o administrado de onde se destaca o direito a dispor de procedimentos judiciais céleres e prioritários para a defesa de direitos de liberdades e garantias.
      No Regulamento de Disciplina Militar (RDM) que consta do D.L. 61/2009 de 22 de Julho o problema reside precisamente neste direito, pois na observação deste decreto-lei constata-se que existem várias medidas disciplinares que afetam os direitos de liberdades e garantias, nomeadamente a pena de prisão disciplinar e a suspensão de serviço, e essas medidas depois de aplicadas como veremos não têm como se impedir os seus efeitos.
      No RDM verificamos que para a interposição das duas medidas anteriormente mencionadas necessita de haver um processo disciplinar. No decorrer desse processo e decidindo-se pela aplicação de medidas cautelares, poderá existir a necessidade de se suspender a eficácia do ato administrativo resultante da providência cautelar, isto porque poderá verificar-se que é demasiado lesivo para o administrado que se continue a produzir os efeitos desse ato administrativo.
      Para estes casos permite o 128º CPTA que se suspenda a eficácia desses atos se tal for requerido, para que se assegure sempre o acesso à tutela jurisdicional efetiva por parte dos particulares. Contudo, no caso do RDM, tal não acontece como se pode retirar da análise da Lei n.º 34/2007 de 13 de Agosto que no seu artigo 1º estatui que prevalece sobre o CPTA e no seu artigo 2º determina que o requerimento da suspensão da eficácia do ato administrativo não implica a proibição automática da execução do ato administrativo. Ou seja, no 128º CPTA a suspensão da eficácia do ato administrativo é imediata e só caducará se houver resolução fundamentada por parte da administração a apresentar em 15 dias (128º/1 CPTA) e se dessa resolução fundamentada resultar que a suspensão da eficácia do ato seria demasiado lesiva para o interesse público. Já no artigo 2º Lei n.º 34/2007 de 13 de Agosto, essa suspensão não é automática e tal como resulta ainda do artigo 3º só será decretada a suspensão do ato administrativo que aplicou a sanção disciplinar se houver a possibilidade forte (traduzida na expressão “fundado receio”) de que a ação principal venha a ser julgada favoravelmente ao administrado por uma das razões elencadas nas alíneas. No artigo 4º é ainda reforçada esta ideia na medida em que o artigo indica que o decretamento provisório das providências cautelares de suspensão de atos administrativos estão também sujeitas às condições do artigo 3º. Já no artigo 5º que diz respeito às intimações para a proteção dos direitos de liberdades e garantia há uma ligeira abertura no regime rígido desta Lei permitindo que mesmo não verificados os pressupostos do artigo 4º isso não impossibilite a aplicação do decretamento provisório. Porém exige-se uma prévia audiência do requerido que por si só já acarreta alguma demora ao processo.
      Verifica-se portanto aqui uma inversão metodológica que tem resultados muito diferentes e até mesmo lesivos para os militares.
      No 128º CPTA há um efeito automático da suspensão e para que se possa cessar essa suspensão ter-se-á de recorrer à decisão fundamentada, pelo que à partida os direitos e interesses dos administrados estão assegurados até decisão em contrário. Já quanto à situação dos militares a situação é precisamente a inversa, ou seja, primeiro aplica-se o ato administrativo enquanto se investiga sumariamente se poderá ou não haver suspensão do mesmo durante o processo disciplinar.
      Este modo de proceder num processo administrativo é bastante lesivo dos direitos de liberdades e garantias especialmente no que toca às penas de prisão disciplinar viola o direito fundamental do artigo 27º CRP. Pode inclusive afirmar-se que estas normas são uma negação da garantia da tutela jurisdicional efetiva aos militares uma vez que enquanto se está a decidir a suspensão ou não do ato administrativo os administrados estão a ser lesados nos seus direitos de liberdade e garantias e essa lesão ninguém a poderá restituir na medida em que a privação de liberdade é sempre irreversível.
      Considero portanto que este procedimento constitui um desvio à garantia da tutela jurisdicional efetiva cujo fundamento jaz na necessidade de proteger os particulares do poder público, não só porque a relação admnistrador-administrado prima pela grande desigualdade entre as partes, mas também porque só assim se consegue assegurar que no decorrer de um processo o particular tenha efetivamente a possibilidade de ver os seus direitos assegurados e não que haja uma mera possibilidade teórica mas que depois se revela impraticável no quotidiano devido aos amplos poderes da administração.
      A tutela jurisdicional efetiva é assim uma garantia fundamental do nosso sistema jurídico-administrativo atual, que precisa de ser concretizada para que se possa alcançar aquilo que se procurou durante todo o processo de reforma do contencioso administrativo: assegurar os direitos e interesses do administrado legalmente protegidos, nem que seja através da aplicabilidade direta dos preceitos constitucionais pelo tribunal.
      No procedimento disciplinar militar essa garantia constitucional não é assegurada uma vez que há a execução do ato até que se verifique se é possível a suspensão e ainda porque a suspensão destes atos pode apenas verificar-se em circunstâncias muito restritas.
      Fica portanto a dúvida de se o preceito da Lei n.º 34/2007 será deveras constitucional.

      Sónia A.C. Domingos, subturma 5 nº 18421



      Bibliografia: 


      - SILVA, Suzana Tavares da, Revista de Direito Público e de Regulação, nº5, Março 2010
     - SILVA Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise,  Almedina, 2010
      - DL 61/2009 de 22 de Julho