segunda-feira, 21 de maio de 2012

A impugnabilidade dos actos administrativos como pressuposto processual na acção administrativa especial de impugnação de acto administrativo.



A par da legitimidade (artigo 55ºss CPTA) e da oportunidade (artigo 58ºssCPTA), o pressuposto específico da acção administrativa especial na modalidade de impugnação de actos administrativos (artigo 46 nº2 a) e 50ºss CPTA) é acto administrativo em questão ser um acto administrativo passível de ser impugnado junto dos tribunais administrativos (a este propósito falava-se da recorribilidade do acto administrativo). Importa agora, nesta breve análise, concretizar este conceito.

O conceito de acto administrativo pressupõe o conceito material de acto administrativo nos termos dos 120ºCPA “consideram-se actos administrativos as decisões dos órgãos da administração que ao abrigo de normas de direito publico visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta”.

Mas como chama à atenção VIEIRA DE ANADRADE, o conceito de acto administrativo impugnável não coincide com o conceito de acto administrativo em si, indo para além deste por um lado e ficando aquém por outro:
×           É mais vasto na dimensão orgânica, na medida em que não depende da tradicional qualidade administrativa do seu autor, incluindo não só decisões tomadas por entidades privadas que exerçam poderes publicos, como ainda actos emitidos por autoridades não integradas na administração pública (artigo 51 nº2 CPTA). MARIO AROSO DE ALMEIDA esclarece que apesar de o acto administrativo ser tradicionalmente definido como um acto jurídico praticado por um órgão pertencente à administração, com a evolução dos últimos anos verificou-se a necessidade de equiparar actos administrativos quer para efeitos processuais quer para efeitos de aplicação do regime substantivo a todo um conjunto de manifestações jurídicas emitidas por órgãos publicos que não integram a administração pública ou entidades formalmente privadas. Determinante para que a competência pertença aos tribunais administrativos, é que o sujeito privado tenha actuado ao abrigo de normas de direito administrativo, ou seja, de normas que atribuam prerrogativas ou imponham deveres, sujeições ou limitações especiais por razoes de interesse público que não intervêm no âmbito de relações de natureza jurídico-privada.
×           É mais restrito na medida em que só abrange expressamente as decisões administrativas com eficácia externa, ainda que inseridas num procedimento administrativo, em especial os actos cujo conteúdo seja susceptível de lesar direito ou interesses legalmente protegidos (artigo 51 nº1 CPTA). Actos com eficácia externa são os actos administrativos que produzem ou constituam efeitos nas relações jurídicas administrativas externas independentemente da respectiva eficácia concreta. Incluem-se assim seguramente decisões abalatórias ainda que devam ser complementadas por actos jurídicos de execução vinculada, assim como actos destacáveis do procedimento, que embora inseridos num procedimento produzem efeitos jurídicos externos autonomamente, sem ser através do acto principal do procedimento. Ficam excluídos os actos internos, aqueles que visem produzir efeitos nas relações intra-pessoais atingindo apenas os aspectos orgânicos das relações especiais de poder ou as relações entre órgãos administrativos.
VASCO PEREIRA DA SILVA, entende que o critério de impugnabilidade está estritamente ligado com o critério da legitimidade, sendo que o critério de impugnabilidade irá depender da natureza da acção: se estivermos perante uma acção de tutela de um direito de um particular perante a Administração o critério será aferido pela lesão do particular, até porque não faria sentido que o critério fosse a eficácia externa quando se admite a impugnação de actos sem eficácia externa no artigo 54º CPTA; se por outro lado estivermos diante de uma acção de defesa da legalidade e do interesse público (artigo 9 nº2CPTA) o critério já será o da eficácia externa do acto, ou seja, da possibilidade do acto produzir todos os seus efeitos nas relações jurídicas externas independentemente da respectiva eficácia concreta
MARIO AROSO DE ALMEIDA, por outro lado, tem um entendimento diferente quanto a este ponto, considerando que existe uma desnecessidade de eficácia externa. O autor considera que, apesar de à partida se dizer que para serem impugnáveis os actos administrativos tem de se projectar sobre situações jurídicas respeitantes a entidades destintas daquelas que os emite, ficando excluídos do universo dos actos administrativos impugnáveis aqueles que contenham decisões no âmbito meramente interno, no nosso ordenamento é possível a impugnação de actos sem eficácia externa que não se destinam a fixar os direitos da administração ou dos particulares, ou dos respectivos deveres, no âmbito de relações jurídicas que entre uma e outro se estabelecem e que portanto não parecem deixar de ser qualificados como internos, mas que podem ser impugnados por quem tem legitimidade para tal. Isto porque nos nossos dias, a realidade interna das entidades públicas tende a ser crescentemente caracterizada por fenómenos de conflitualidade que decorrem de opções ao nível da distribuição de competências assentes atribuição aos diferentes órgãos de esferas de acção própria. Neste contexto deve entender-se que a eficácia externa não é requisito intrínseco de impugnabilidade dos actos administrativos, mas um requisito que está associado ao estatuto de quem impugna, dizendo a impugnação respeito à legitimidade para impugnar e não ao acto em si mesmo.

Este autor refere ainda o abandono definitivo do requisito da definidade horizontal desde há muito amplamente contestado pela doutrina que foi assumidamente afastado da definição de acto administrativo impugnável, como resulta do artigo 51 nº1 CPTA, pela possibilidade de o acto a impugnar estar inserido num procedimento administrativo, assim como o artigo 51 nº3 CPTA que pressupõe a impugnabilidade de actos procedimentais, não sendo apenas impugnáveis os actos finais que põe termo a procedimentos administrativos mas também podem ser impugnados que não o acto final do procedimento. Basta que se tratem de actos administrativos, tendo em si mesmo conteúdo decisório (como os pareceres vinculativos). O artigo 51 nº3 CPTA ressalvando a possibilidade de se impugnar o acto final do procedimento mesmo no caso de não se ter reagido contra os actos procedimentais possíveis de impugnação, introduz no entanto duas restrições: o acto que tenha determinado a exclusão do interessado no procedimento tem de ser imediatamente impugnado por se um acto destacável e produzir efeitos externos definindo a situação jurídica do interessado; sempre que a lei avulsa imponha um ónus preclusivo de impugnação contenciosa de actos procedimentais, em termos tais que dela claramente resulte que a questão não pode voltar a ser colocada em processo impugnatório dirigido contra o acto final do procedimento, tal determinação por ser clara para eventuais interessados que prevalece ao 51 nº3.

Assim, pelo quadro que foi apresentado, ficam desde já excluídos do conceito de acto administrativo impugnável, consensualmente pela doutrina, por não consubstanciarem decisões, os puros actos instrumentais pois são actos jurídicos (como a generalidade das propostas, pareceres, comunicações etc.); as acções e operações materiais; os meros comportamentos como avisos e informações; as declarações de ciência e juízos de valor; meras opiniões; actos preparatórios como parecerem não vinculativos; actos meramente confirmativos quando preencha uma das situações do artigo 53ºCPTA.
A este propósito MARIO AROSO DE ALMEIDA fala da necessidade de um conteúdo decisório do acto.

Se há actos que a partida não integram o conceito de acto impugnável, outros merecem uma apreciação mais profunda, tendo a doutrina se debruçado sobre eles atentamente:

®      Decisões administrativas preliminares (pré-decisões e pareceres vinculantes): a este propósito VIEIRA DE ANDRADE afirma que quanto às decisões que determinam peremptoriamente a decisão final de um procedimento com efeitos externos, mas que não tenham elas próprias capacidade para constituir tais efeitos externos, poderá sustentar-se e aceitar-se a impugnabilidade dessas decisões, como uma defesa antecipada ou precoce dos interessados, na medida em que irão causa lesões em direitos de particulares. No entanto, nestes casos não poderá resultar para o particular um ónus de impugnação.

®      Acto administrativo ineficaz: em princípio um acto administrativo só pode ser impugnado quando se encontrem reunidas condições de que depende a sua capacidade para produzir efeitos, como por exemplo, estar sujeito a publicação obrigatória ou dependente de aprovação de um órgão administrativo diferente daquele que o praticou. Já se um acto for nulo ele não produz efeitos (134 nº1CPA) mas não deixa de poder ser impugnado precisamente com vista à declaração de nulidade. Concluímos que o acto não tem de ser eficaz para poder ser impugnado, mas que nos casos em que a produção de efeitos do acto esteja dependente do preenchimento de condições legais este não pode ser impugnado enquanto não estiverem preenchidas essas condições.
O artigo 54º CPTA reflecte esta ideia constituindo dois tipos de situações que justificam admitir a faculdade da imediata impugnação de acto administrativo que ainda não preenchem os requisitos de que depende a produção dos seus efeitos:
a)        Acto ter sido objecto de execução embora sem preencher os requisitos necessários para o efeito, por ainda não estar em condições de produzir os seus efeitos (artigo 54 nº1 a) CPTA).
O artigo 54 nº2 distingue no entanto a impugnabilidade do acto executado da questão da reacção contra a execução ilegítima do acto que pode ser actuada como refere o preceito através de outros meios de tutela. MARIO AROSO DE ALMEIDA afirma que o facto de no artigo 54 nº1 a) se continuar a prever a solução tradicional de admitir a impugnação imediata do acto administrativo ainda ineficaz que seja objecto de execução, não contende com o reconhecimento do natural direito de tutela contra a própria inexecução ilegítima. É o que justamente se salvaguarda no artigo 54 nº2. A referencia que neste preceito é feita a outros meios de tutela, tem entretanto presente que o meio adequado para reagir contra a execução ilegítima de um acto administrativo ineficaz não é em principio o processo para impugnação de actos administrativos mas sim acção administrativa comum (37 nº2 c) CPTA) ou mesmo se se preencher os pressupostos processo de intimação para a protecção de direitos liberdades e garantias (36 nº1 d) CPTA).
b)       Faculdade imediata de impugnação do acto desde que seja seguro ou muito provável que este irá produzir efeitos. MARIO AROSO DE ALMEIDA entende que cabe à jurisprudência determinar o alcance desta disposição genérica que é ilustrada exemplificamente com o termo inicial e condição suspensiva.
MARIO TORRES concretiza dizendo que este preceito tem o alcance de estender as situações em que é de admitir a existência de interesse em agir contra actos ineficazes, às situações em que segundo um juízo de normalidade e de acordo com a experiencia da vida haja fortíssima probabilidade ou que certeza de que o acto irá produzir efeitos e portanto exista um fundado receio das consequências que resultarão da produção de efeitos e eventual exclusão do acto ineficaz.

MARIOAROSO DE ALMEIDA refere ainda a este propósito que, apesar de a regra do acto administrativo só poder ser impugnado quando se encontrem reunidas as condições de que depende a sua capacidade para produzir efeito, ser tradicionalmente apresentada como um dos componentes nos quais se desdobra o pressuposto processual da impugnabilidade do acto administrativo, se justifica a sua autonomização. A eficácia é um elemento extrínseco do acto administrativo que não tem que ver com a sua substancia e portanto a questão da natureza intrínseca dos efeitos que o acto se destina a introduzir na ordem jurídica tem que ver com a circunstância do acto e portanto com a questão extrínseca de saber se em determinado momento ele já está em condições de originar consequências que possam justificar a sua impugnação. A questão resume-se em saber se existe interesse processual ou interesse em agir junto dos tribunais contra um acto administrativo que não esteja em condições de projectar os seus efeitos na ordem jurídica. Em principio parte-se da presunção de que não existe interesse em impugnar actos administrativos que ainda não estejam em condições de lesar ninguém, mas precisamente porque esta é a ratio que está subjacente à regra, o CPTA não a consagra em termos absolutos mas antes admite, no 54º, que se possam constituir situações de interesse em agir que justificam o seu afastamento.

®      Actos de execução: MARIO AROSO DE ALMEIDA chama atenção para os actos de execução que também são tradicionalmente qualificados como impugnáveis por serem actos jurídicos praticados em execução ou aplicação de actos administrativos, de modo a impedir-se a reabertura de litígios ou instauramento tardio dos mesmos em torno de definições introduzidas pelos actos administrativos que eles se limitam a executar ou aplicar. Os actos de execução têm um conteúdo misto tendo uma componente confirmativa e uma componente inovatória. Relativamente à primeira, sendo que o acto de execução assume, pressupõe ou reafirma a decisão anteriormente contida no acto exequendo, ele não pode ser impugnado se se preencher o 53º (pode pois dizer-se que este artigo vale também para os actos de execução ou de aplicação de actos administrativos na parte ou na medida em que eles se limitam a reiterar a definição pelo acto que executam ou aplicam). Relativamente à segunda componente, o acto administrativo é impugnável na medida em que acrescenta novos efeitos jurídicos àqueles que já tinham resultado do acto anterior e que podem ser contrários às regras às quais devem obediência, sendo inovador quanto ao conteúdo decisório. Assim pode ser impugnável por vícios próprios que possa padecer, que podem resultar da desconformidade à lei da inovação, ainda que complementar, que vem introduzir na ordem jurídica, ou ser ainda desconforme com o acto a que alegadamente visa dar execução.

®      Actos administrativos de conteúdo negativo: ao contrário do que sucedia no regime anterior do CPTA, só os actos de conteúdo positivo podem ser objecto de um processo de impugnação dirigido à respectiva anulação ou declaração de nulidade. A reacção contra os actos de conteúdo negativo passa pela dedução de um pedido de condenação à prática de um acto administrativo devido.
O artigo 51 nº4 esclarece que, quando seja deduzido pedido de anulação de um acto administrativo de conteúdo negativo, o tribunal deve convidar o autor a substituir a petição, por o pedido formulado não ser o adequado, podendo haver lugar depois à substituição das contestações.
Este artigo tem em vista as situações em que contra o acto de indeferimento tenha sido deduzido um pedido de estrita anulação e nada mais do que anulação, sendo que se o autor pedir a anulação mas também a condenação à prática de acto devido não há razão para exigir a substituição da petição.
MARIO AROSO DE ALMEIDA considera que, não se afigura contudo de excluir liminarmente que, em situações excepcionais possa existir uma necessidade de tutela que justifique a impugnação de actos de indeferimento, como nas situações em que o autor justifique um interesse autónomo na anulação assumindo fundadamente que não pretende obter o acto devido porque lhe basta o reconhecimento da ilegalidade do acto de recusa e a sua remoção da ordem jurídica, afigurando-se o pedido de anulação do acto de indeferimento admissível a titulo excepcional, afastando-se o 51 nº4.
É necessário para isso preencher dois requisitos essenciais: o autor deve demonstrar de modo convincente que da anulação do acto de indeferimento resulta para ele uma utilidade que dá resposta a uma sua necessidade efectiva de tutela jurisdicional; não deve ser menos concludente a demonstração de que essa utilidade não é proporcionada pela condenação à pratica do acto administrativo em causa.

®      Actos administrativos de conteúdo ambivalente: por um lado definem pela positiva a situação dos beneficiários mas também possuem uma componente negativa pois o acto constitui uma situação de vantagem na esfera jurídica do respectivo beneficiário cuja manutenção na ordem jurídica não só não lhe interessa como é incompatível coma satisfação dos seus próprios interesses. Faz sentido que o interessado proceda à impugnação do acto pedindo a anulação ou declaração de ilegalidade mas sucede que o seu interesse não se satisfaz apenas com a remoção da ordem jurídica do acto mas também é necessário a substituição desse acto por outro.
O artigo 47º nº2 a) prevê que o interessado possa cumular com o pedido impugnatório um pedido de condenação à substituição do acto por outro, recaindo contra a componente positiva e negativa do conteúdo do acto. Esta cumulação é uma faculdade que assiste ao interessado – nº3.
MARIO AROSO DE ALMEIDA considera que se o autor não cumular os dois pedidos, é de se considerar uma cumulação implícita, devido aos princípios da tutela jurisdicional efectiva e promoção de acesso à justiça. Assim quem pede a condenação da administração à substituição em todo ou em parte de um acto administrativo com fundamento na ilegalidade desse acto esta implicitamente a pedir que o tribunal reconheça e declare essa ilegalidade e portanto que anule o acto.



A impugnabilidade dos actos administrativos não depende de forma sob a qual eles tenham sido praticados – 268 nº4CRP. No entanto a doutrina distingue, os actos jurídicos adoptados sob forma legislativa, que devem ser qualificados como legislativos do ponto de vista formal e material e daqueles que são apenas formalmente legislativos, que contem decisões meramente administrativas. Quando o acto introduza opções políticas primárias existe um acto materialmente legislativo sendo que será um acto meramente administrativo praticado sob forma de diploma legislativo quando o comando em causa exprime o exercício de competências administrativas. É apenas neste caso que o acto é impugnável perante os tribunais administrativos nos termos do 268 nº4CRP e 52 nº1CPTA.
Uma vez que o acto administrativo inserido num acto praticado sob a forma de acto legislativo ou regulamentar pode ser difícil de percepção por parte dos interessados, o 52 nº2 abre a quem não tiver impugnado actos contidos em diplomas legislativos ou regulamentares a possibilidade de proceder à impugnação dos mesmos.

Por último resta referir que, a impugnação jurisdicional de actos administrativos pode estar dependente da observância do ónus da prévia utilização, pelo impugnante, de vias de impugnação administrativa como a reclamação, o recurso hierárquico ou o recurso tutelar, falando-se a este propósito na imposição legal de impugnações administrativas necessárias, em que a prévia utilização da impugnação administrativa constitui um ónus na medida em que é necessária se o autor pretender lançar mão, em seguida da via da impugnação contenciosa.
O CPTA não exige em termos gerias, que os actos administrativos tenham sido objecto de prévia impugnação administrativa para que possam ser objecto de impugnação contenciosa. Das soluções consagradas nos artigos 51º e 59 nº4 e 5 CPTA decorre a regra de que a prévia utilização de vias de impugnação administrativa não é necessária para aceder à via contenciosa. Assim não é necessário para haver interesse processual no recurso à impugnação perante os tribunais administrativos que o autor demonstre ter tentado infrutiferamente obter a remoção do acto que considere ilegal por via extrajudicial. A impugnação administrativa é necessária quando a lei diz de modo inequívoco que o acto em causa cabe de tal impugnação.
O eventual requisito da prévia utilização de uma impugnação administrativa necessária é tradicionalmente apresentado como mais um dos componentes nos quais se pode desdobrar o pressuposto processual da impugnabilidade do acto administrativo. MARIO AROSO DE ALMEIDA considera que se justifica a autonomização deste requisito pelas mesmas razoes invocadas a propósito do requisito da eficácia do acto a impugnar. A questão de saber se a impugnação jurisdicional de certo tipo de acto administrativo está dependente da prévia utilização de uma impugnação administrativa nada tem que ver com a substancia do acto. Pelo contrário, é só em relação a actos administrativos impugnáveis que preencham todos os requisitos para poderem ser objecto de impugnação que se coloca a questão de saber se há que utilizar previamente uma impugnação administrativa contra esse acto para se poder proceder à respectiva impugnação contenciosa. Nos casos em que ela é legalmente prevista, a prévia utilização da impugnação administrativa necessária é pois instituída como um pressuposto processual atípico ou adicional em relação ao da impugnabilidade do acto – pressuposto processual autónomo de cujo preenchimento a lei em certos casos entende fazer depender a possibilidade de um acto administrativo que do ponto de vista substantivo é em si mesmo impugnável, de ser objecto de impugnação imediata perante os tribunais administrativos.
Assim, percebemos que este autor, faz uma interpretação restritiva dizendo que estaria aqui em causa apenas uma revogação da regra geral da exigência de recurso hierárquico necessário, que não implica a revogação de eventuais regras especiais que consagrassem tal exigência.
VASCO PEREIRA DA SILVA, por outro lado, não acompanha esta interpretação restritiva defendendo a revogação expressa das disposições que prevêem o recurso hierárquico necessário por uma questão de certeza e segurança jurídica, ao mesmo tempo que procedesse à generalização da regra de atribuição de efeitos suspensivos a todas as garantias administrativas, eventualmente acompanhadas da fixação de um prazo para o exercício da faculdade de impugnação administrativa pelos particulares que não teria qualquer relevância para a questão da impugnabilidade do acto administrativo, mas que interessaria para aplicação do regime de suspensão automática da eficácia até à decisão de garantia administrativa. Entretanto deve entender-se que caducam todas as normas que prevejam a necessidade de recurso hierárquico, pelo que todas as garantias administrativas são de considerar como facultativas no sentido de que não impedem o particular de utilizar imediatamente a via contenciosa, além de possuírem um efeito suspensivo dos prazos de impugnação contenciosa.



Bibliografia:
- ALMEIDA, Mário Aroso de, “Manual de Processo Administrativo”, Almedina, 2010
-ANDRADE, José Carlos Vieira de, “A Justiça Administrativa”, Almedina,2011
- SILVA, Vasco Pereira da, “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, Almedina, 2009
- TORRES, Mário, “Cadernos de justiça administrativa”, nº28




Daniela Romeiro
18095


Responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício da função administrativa


Para preencher a lacuna do Código Civil de 1966, uma vez que apenas continha disposições aos actos praticados no âmbito da gestão privada (artigos 500.º e 501.º) é aprovado o Decreto-Lei n.º 48.051, de 21 de Novembro em1967, que veio delinear o quadro legal da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas por actos de gestão pública.
Com efeito, estabelecia o seu artigo 1.º que, a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas públicas no domínio dos actos de gestão pública rege-se pelo disposto no presente diploma, em tudo o que não esteja previsto em leis especiais.
No que toca às autarquias locais regiam os artigos 366.º e 367.º do Código Administrativo de 1936, posteriormente alterados pelo Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março. Contudo, este último diploma foi revogado pelo artigo 100.º da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, mantendo-se, no entanto, inalterado o seu regime.
Este regime foi posto em causa por alegada inconstitucionalidade superveniente, por ter parcialmente caducado. Ultrapassando esta questão, em 2007, é então publicada a Lei n.º 67/007 de 31 de Dezembro, como uma tentativa de aperfeiçoamento do regime da responsabilidade civil extra-contratual do Estado e demais entidades públicas, por danos resultantes das funções político-legislativa, jurisdicional e administrativa.


Este novo Regime veio introduzir diversos aspectos inovadores, nomeadamente, a responsabilidade exclusiva que inclui os danos resultantes do funcionamento anormal dos seus serviços, que existe se se verificar que é razoavelmente exigível ao serviço uma actuação
susceptível de evitar os danos produzidos. Por conseguinte, também se considera haver ilicitude se a ofensa de direitos e interesses legalmente protegidos resulte do funcionamento anormal do serviço. Ainda, a extensão da culpa grave, além do dolo, na responsabilidade solidária do Estado e demais entidades públicas e dos titulares de órgãos ou agentes, quando os danos resultem de acções ou omissões ilícitas, não respeitando as exigências do exercício das suas funções, nos termos do art.º 1, 2 e 3 do Regime.
Em relação ao pressuposto da ilicitude, se “violarem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou que infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objectivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos legalmente protegidos” (art.º 9/2).
No que toca à culpa, apesar de continuar a ser aplicada o art. 497º do Código Civil, esta é apreciada pela diligência e zelo que seja razoável exigir, casuisticamente, e não nos termos do código civil. Não obstante, opera uma presunção de culpa leve nos casos em que são praticados
actos jurídicos ilícitos.


Importa notar, igualmente, na eliminação da distinção entre actos jurídicos e materiais, passando a ser empregue a expressão acções e a referência aos princípios constitucionais.
Contudo, segundo a Professora Doutora Maria José Rangel de Mesquita este regime está
desconforme com o Direito da União Europeia, inclusive com a jurisprudência do Tribunal de
Justiça, ambos inerentes a qualquer regime jurídico infra-constitucional de qualquer Estado-
Membro.
Deste modo, há uma violação da vertente negativa do princípio da lealdade comunitária e do
princípio do primado, em todas as funções do Estado.
Na função administrativa, a título exempleficativo, não há qualquer referência aos requisitos
comunitários da responsabilidade do Estado-Membro, que irão ser abordados mais à frente, por
incumprimento.


No n.º 1 do artigo 7.º está consagrada a responsabilidade exclusiva do Estado e das demais
pessoas colectivas de direito público pelos danos decorrentes de acções ou omissões ilícitas
cometidas pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, com culpa leve, estando em
conformidade com o que tem sido defendido pela Doutrina, isto é, quando esteja em causa o
exercício de funções públicas a responsabilidade pessoal dos titulares de órgãos e agentes (bem
como o direito de regresso) só deve existir nos casos de dolo ou culpa grave, não devendo ser
responsabilizados nos casos de culpa leve.
Por outro lado, está consagrada uma responsabilidade solidária com os titulares dos seus
órgãos, funcionários e agentes se as referidas acções ou omissões tiverem sido cometidas por estes com dolo ou com diligência e zelo manifestamente inferiores aos que estavam obrigados em razão do cargo (culpa grave).
Uma das inovações mais significativas em matéria de responsabilidade da Administração
por actos ilícitos, foi o alargamento da regra da solidariedade no domínio das acções e omissões
cometidas com culpa grave. Neste regime, quer nos casos de dolo, quer nos casos de culpa grave, respondem solidariamente perante terceiros.
Não obstante, o Estado e as demais pessoas colectivas de direito público gozam do direito de
regresso contra os titulares dos órgãos, funcionários ou agentes responsáveis pelos danos causados, nos termos do art. 8º/3 da Lei n.º 67/2007.
Em relação à responsabilidade pelo risco (art. 8º) se um facto culposo de terceiro concorreu
para a produção ou o agravamento dos danos o estado e as demais entidades publicas respondem solidariamente com o terceiro. Contudo, no regime do Decreto-Lei anterior, se houvesse culpa de terceiro, seguia-se o regime previsto para o caso de culpa da vítima, determinando-se a responsabilidade segundo o grau de culpa de cada um.


Em suma, verifica-se uma alteração significativa em comparação com o anterior regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado, que se traduz, nomeadamente, pela inversão do ónus da prova de culpa no âmbito do exercício da função administrativa e cria-se um regime de responsabilidade extracontratual pelo exercício das funções política e legislativa e da função
jurisdicional.




Rita Monge


N.º: 16841

 Analise um dos seguintes temas, publicando o seu contributo em resposta à presente mensagem:

1.      Discuta à luz do direito à tutela jurisdicional efetiva o regime especial dos processos relativos a atos administrativos de aplicação de sanções disciplinares previstas no Regulamento de Disciplina Militar;

2.      Atento o sentido da subjetivação do contencioso administrativo, aprecie os seguintes institutos:

        a) Cumulação de pedidos, originária e superveniente;

        b) Partes processuais (ativas, passivas, litisconsórcio, coligação e intervenção de terceiros).

Processo urgente:

INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS



Análise do Acórdão do TCAN de 25/01/2007, em que uma das questões colocadas é o fato de se tratar o acesso ao ensino superior nos termos dos arts. 74º e 76º da CRP um direito fundamental análogo e extensível nestes termos ao âmbito do meio processual urgente por intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, previsto nos arts. 109º e seguintes do CPTA:



“Vem interposto recurso jurisdicional da sentença de 18 de Outubro de 2006, proferida nos autos da intimação para a defesa de direitos, liberdades e garantias, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra sob o n.º 678/06.1 BECBR em que o Tribunal “a quo” condenou as entidades demandadas a possibilitar à demandante Susana Rosa Lopes a realização de novo exame na disciplina de Química (código 642) no prazo de 15 dias, a contar da data da notificação da sentença e a admitirem a requerente no ingresso do Curso de Medicina, na Faculdade de Medicina, da Universidade de Coimbra, no presente ano lectivo, desde que obtenha média de classificação final igual ou superior à do último candidato admitido a este Curso e Universidade, neste ano lectivo, julgando violadora do principio da igualdade de oportunidades no acesso ao ensino superior público e do principio da confiança, a alteração legislativa introduzida ao art.º 42.º n.º 2 al. c) do Decreto-Lei n.º 296-A/98 de 25/9, pelo Decreto-Lei n.º 147-A/2006 de 31 de Julho bem como, em sua consequência, o despacho do Secretário de Estado da Educação n.º 16078-a/2006 de 1 de Agosto de 2006, por consubstanciar a retroactividade legislativa interditada pelo Art.º 18.º n.º 3 da C.R.P. e porem em causa os princípios da protecção da confiança e da segurança jurídicas, bem como o principio da igualdade e em especial de acesso ao ensino superior em igualdade de oportunidades cfr. Art.ºs 2.º,13.º e 76.º n.º 1 da C.R.P.

Como consta dos autos a aluna já fez o exame determinado pela sentença recorrida, que lhe permite frequentar a Universidade de Coimbra, Faculdade de Medicina, como pretendia.

É o seguinte o teor da sentença recorrida:

“ 3 . Quanto ao mérito dos autos :

Dispõe o artº-. 109º-. do CPTA, inserido na SECÇÃO II, com a epígrafe “Intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias”, com o título “Pressupostos” :

1 - A intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131.º

2 - …

3 - Quando, nas circunstâncias enunciadas no n.º 1, o interessado pretenda a emissão de um acto administrativo estritamente vinculado, designadamente de execução de um acto administrativo já praticado, o tribunal emite sentença que produza os efeitos do acto devido.”

E, o artº-. 110º-., nos seus ns. 4 e 5, do mesmo CPTA, preceitua : 4 - Na decisão, o juiz determina o comportamento concreto a que o destinatário é intimado e, sendo caso disso, o prazo para o cumprimento e o responsável pelo mesmo.

5 - O incumprimento da intimação sujeita o particular ou o titular do órgão ao pagamento de sanção pecuniária compulsória, a fixar pelo juiz na decisão de intimação ou em despacho posterior, segundo o disposto no artigo 169.º, sem prejuízo do apuramento da responsabilidade civil, disciplinar e criminal a que haja lugar”.”





Assim, procedendo à análise da questão, decidiu o Tribunal:

“Entendido o normativo em causa, como emanação do princípio da tutela efectiva e célere, o processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias abrange na sua previsão ou âmbito não apenas os direitos, liberdades e garantias pessoais, como estabelece o artº-. 20º-., nº-. 5 da CRP, mas também os direitos, liberdades e garantias do Título II, da Parte I da CRP, incluindo os de natureza análoga (artº-. 17º-. da CRP).

No caso sub judice, afastada que foi a tramitação dos autos como processo cautelar, de decretamento provisório, nos termos do artº-. 131º-. do CPTA, pelas razões constantes do despacho de fls. 165 e vº-. e que aqui se reafirmam, em prol do direito da tutela efectiva a que os cidadãos têm direito, elemento norteador da reforma do contencioso administrativo, em vigor, desde Janeiro de 2004, em resposta aos ditames constitucionais, porventura olvidados desde há algum tempo a esta parte, temos de considerar que se mostra preenchido o segundo dos requisitos acima elencados, pelo que nos teremos, em termos de mérito propriamente dito, de nos cingir essencialmente à verificação do primeiro daqueles requisitos.

Assim, quanto aos enunciados requisitos, é manifesto (facto/conclusão que nem sequer é contraditada nos autos) que o direito de que a requerente se arroga nestes autos é um dos direitos que se integram no acervo constitucional dos direitos previstos na Parte I, Direitos e Deveres Fundamentais, no Título III, Direitos e Deveres Económicos, Sociais e Culturais, Capítulo III, Direitos e Deveres Culturais, artº-.76º- - Universidade e Ensino Superior, sendo que, no nº-.1 do artº-. 76º-. se dispõe que “O regime de acesso à Universidade e às demais instituições do ensino superior garante a igualdade de oportunidades e a democratização do sistema de ensino, devendo ter em conta as necessidades em quadros qualificados e a elevação do nível educativo, cultural e científico do país”.

Sendo o acesso ao ensino superior, em igualdade de circunstâncias, um dos vetores dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, atenta a matéria dos autos, impõe-se que a requerente possa obter uma decisão de mérito do Tribunal (que não simplesmente perfunctória ou cautelar), tão célere quanto possível que lhe permita consolidar, na sua esfera jurídica, o direito de que se arroga.”



Posição contrária é a do professor José Carlos Vieira de Andrade (in «A Justiça Administrativa (Lições)», 2011, p 239 e nota de rodapé n.º638):

Segundo o autor não será legítima a extensão da intimação para proteção de eventuais interesses ou até direitos, substanciais ou procedimentais, no âmbito de relações ou até direitos, substanciais ou procedimentais, no âmbito de relações jurídicas administrativas, que tendo um fundamento em preceitos de direito ordinário, tenham uma ligação instrumental com a realização dos direitos constitucionais. Enquadrando nesta situação os casos da utilização da intimação para a efetivação de um alegado direito de igualdade de tratamento no âmbito de um concurso de acesso ao ensino superior, com a invocação do direito previsto nos artigos 74º e 76 da CRP, considerando errónea a utilização deste meio de processo urgente.



Na minha opinião o acesso ao ensino superior, não será um caso de uma mera ligação instrumental a preceitos constitucionais. Trata-se realmente de uma situação em que está em causa direta e imediatamente o exercício do direito análogo.


Ana Margarida Silva
N.º17982

Tribunal proíbe Câmara de Lisboa de expulsar "ocupas"


 O Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa proibiu na terça-feira a Câmara Municipal de Lisboa de "iniciar ou prosseguir" a desocupação de um edifício municipal situado na Rua de São Lázaro, depois de os jovens que o ocuparam terem interposto uma providência cautelar contra o despacho que manda desocupar o espaço.

Os ocupantes do n.º 94 da Rua de São Lázaro entregaram na segunda-feira uma providência cautelar para travar o despejo, que podia acontecer coercivamente a partir de ontem. Alegam a invalidade de um despacho municipal que reduz de 90 para 10 dias o prazo para saída voluntária neste tipo de situações, por esse despacho não ter sido ratificado pelos deputados municipais, apesar de alterar um regulamento em vigor - o das desocupações de habitações municipais. É nesse despacho, que os "ocupas" entendem violar as regras sobre as competências dos órgãos municipais, que se baseia a ordem de despejo. 

No seguimento da providência cautelar, o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa notificou a autarquia da "proibição de iniciar ou prosseguir com a execução do ato administrativo", ou seja, de proceder à desocupação. A câmara tem agora dez dias para "deduzir oposição" à providência cautelar. Contactada pela agência Lusa, fonte do departamento de Habitação da câmara disse ainda não ter sido notificada da admissão da providência, acrescentando que a autarquia só se pronunciará sobre a matéria posteriormente.

Os jovens ocupam, desde 25 de Abril, o primeiro andar do edifício municipal devoluto há vários anos e alegam estar a demonstrar solidariedade para com o grupo de activistas do movimento Es.Col.A, que se instalou numa escola desactivada da Fontinha, no Porto, até ser despejado com recurso a força policial por ordem da Câmara do Porto. Sessões musicais, debates e ioga são algumas das actividades que os "ocupas" anunciam ter desenvolvido na casa de S. Lázaro desde esse dia. A ocupação esteve na origem de uma inundação na sede da associação gay Ilga, a quem a câmara cedeu o rés-do-chão do edifício nos anos 90. A Ilga pediu à autarquia que lhe arranjasse instalações alternativas, por entender que os estragos provocados pela água agravaram o já precário estado da sua sede.




Yassir Khalid       nº18456

O sentido da expressão “comportamentos” no artigo 37º n.º2 do CPTA
 

No artigo 37º n.º2 do CPTA o que está em causa é, em geral, o pedido de condenação à adoção ou abstenção de comportamentos, que é dirigida em princípio contra a Administração, mas pode ser dirigida contra particulares. Cumpre discutir o sentido da expressão “comportamentos”, atendendo que o pedido contra a Administração “pressupõe a existência de atuações concretas no âmbito do direito público que não constituam atos administrativos impugnáveis”[i], deve entender-se o conceito num sentido amplo, “de modo a englobar, além dos comportamentos propriamente ditos, operações materiais e até simples atos jurídicos”[ii].

Num primeiro exercício para poder identificar o significado da expressão, é necessário recorrer ao elemento sistemático e ao elemento literal. A letra da lei enuncia a possibilidade de condenar a Administração a agir, isto é, a condenação à adoção de “comportamentos”. Deste modo, a “possibilidade de condenação exige-nos um raciocínio de exclusão de partes”[iii].

Não poderia entender-se, neste contexto, como uma adoção de um ato, porque dessa forma iria cair no âmbito da ação administrativa especial de condenação à prática do ato devido. Pelo que no caso de existir um conflito entre uma ação administrativa comum e uma ação administrativa especial, a última iria prevalecer, até pelo critério de subsidiariedade constante no n.º1 doa artigo 37º do CPTA. Para além disso “por maioria de razão, também não permite a condenação à emissão de normas, também porque esta, a existir, seria no âmbito da ação administrativa especial”[iv].

Deste modo, este pedido só poderá ser intentado quando tenha por objetivo a condenação da Administração à prática de atuações no âmbito do Direito Administrativo que não tenham a natureza de ato administrativo ou norma regulamentar, logo as chamadas atuações administrativas.

O próximo passo é a questão do tipo de ação de condenação, assim se é de considerar que “comportamentos” deve ser interpretado como “abrangendo meras atuações administrativas para ação impositiva, então deve ter também pelo menos esse significado em relação à ação inibitória”[v]. A doutrina aceita-o, como por exemplo o professor Vasco Pereira da Silva[vi].

Este tipo de ação de condenação pode ser englobado em dois casos. O primeiro serão os casos das situações em que a lesão da esfera do particular ainda não ocorreu, mas é provável que venha a ocorrer, a segunda será as situações em que já está a ocorre a lesão da esfera jurídica. Pelo que em ambos os caso, o lesado recorre ao tribunal de modo a que a Administração seja condenada a abster-se de continuar o comportamento lesivo.

O primeiro é “claramente admissível pois é análogo ao exemplo dado pela lei”[vii], enquanto o segundo, apesar de “não acompanhar o exemplo de uma tutela preventiva que é dado pela letra da lei, nada parece fazer excluir a possibilidade de uma tutela inibitória contra atuações já em curso”[viii]. Pelo que mesmo que se entendesse que este último caso não cabia dentro da previsão do artigo 37º n.º2 do CPTA, é sempre possível no âmbito da ação administrativa comum, por via da cláusula geral do n.º1 do mesmo artigo - “o princípio da tutela judicial efetiva obriga a que esta pretensão corresponda uma via de tutela”[ix].



Ana Margarida Silva

N.º17982



[i] Vieira de Andrade, José Carlos, A Justiça Administrativa (Lições); Coimbra, 2011; p. 162
[ii] Idem
[iii] Rui Tavares Lanceiro; A Condenação À Abstenção De Comportamentos No Código de Processo Nos Tribunais Administrativos, in ESTUDOS EM HOMENAGEM AO PROF. DOUTOR SÉRVULO CORREIA, Vol. II; Faculdade de Direito Da Universidade de Lisboa, 2010, p. 1160
[iv] Será porque também já está previsto um mecanismo de reação à não emissão de normas quando esta é devida, que é a possibilidade de declaração de ilegalidade por omissão, de acordo com o art 77.º. Também aqui funciona o princípio da subsidiariedade da ação administrativa comum (Rui Tavares Lanceiro; A Condenação À Abstenção De Comportamentos No Código de Processo Nos Tribunais Administrativos, in ESTUDOS EM HOMENAGEM AO PROF. DOUTOR SÉRVULO CORREIA, Vol. II; Faculdade de Direito Da Universidade de Lisboa, 2010, p. 1160)
[v] Rui Tavares Lanceiro; A Condenação À Abstenção De Comportamentos No Código de Processo Nos Tribunais Administrativos, in ESTUDOS EM HOMENAGEM AO PROF. DOUTOR SÉRVULO CORREIA, Vol. II; Faculdade de Direito Da Universidade de Lisboa, 2010, p. 1160
[vi] Pereira da Silva, Vasco; O Contencioso Administrativo, pp 414-415
[vii] Rui Tavares Lanceiro; A Condenação À Abstenção De Comportamentos No Código de Processo Nos Tribunais Administrativos, in ESTUDOS EM HOMENAGEM AO PROF. DOUTOR SÉRVULO CORREIA, Vol. II; Faculdade de Direito Da Universidade de Lisboa, 2010, p. 1161
[viii] Idem
[ix] Idem
Acto Administrativo ImpugnávelA eventual necessidade de Recurso Hierárquico


De acordo com o artigo 51º/1 CPTA, são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos.
Desta forma, com a consagração deste preceito, ocorreu um alargamento da impugnabilidade dos actos administrativos, que passa agora a ser permitida em razão da eficácia externa, sempre que haja lesão dos direitos ou interesses dos particulares.
Deste modo, garante-se o cumprimento de uma garantia constitucional dos particulares, conforme consta do artigo 268º/4 da Constituição, onde é dito expressamente que “É garantido aos administrados (…) a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma.

Segundo o entendimento do Professor Vasco Pereira da Silva[1], o critério da impugnabilidade do acto administrativo depende de se saber se o que está em causa é uma acção para tutela com intuito subjectivo ou se estamos perante uma acção pública ou popular. O Professor consagra dois critérios autónomos entre si:
      . Se estivermos perante uma acção que vise tutelar um interesse subjectivo do particular -> esta impugnação será procedente conforme seja determinado que houve lesão de um direito ou interesse do particular;

      . No caso de estarmos perante uma acção cujo objectivo seja a defesa da legalidade ou de um interesse público -> a acção de impugnação depende da eficácia externa do acto administrativo.

            É a partir desta concepção que o mesmo Professor critica a formulação do artigo 51º/1 CPTA, já que este parece dar assim maior importância ao critério da eficácia externa, mantendo o critério da susceptibilidade de lesão de direitos como subordinado.

Importa ainda fazer referência ao disposto no artigo 51º/3 CPTA onde basicamente é dada a possibilidade de, perante um acto de procedimento lesivo dos seus direitos, o particular poder escolher entre:
    . Impugnar desde logo essa actuação;
   . Esperar pela decisão final do procedimento, sem que o seu direito fundamental à protecção judicial seja afectado.

Recurso Hierárquico (des)necessário?

Antes da reforma do Contencioso Administrativo já existia na doutrina discussão acerca da necessidade ou não de recurso hierárquico nos processos de impugnação.

Com a reforma, parecem ter sido dissipadas grande parte das dúvidas sobre esta questão da exigência de recurso hierárquico nas acções de impugnação, uma vez que, ao assentar a impugnabilidade dos actos de acordo com a eficácia externa e a lesão dos direitos privados, fica afastada, à partida, esta necessidade.
Contudo, apesar de atingido este nível de consenso, continua a ser motivo de divergência doutrinária a questão sobre se estamos perante uma regra geral que deve ser aplicada a todas as situações que suscitem a eventual necessidade de recurso ou se por sua vez, se trata de uma regra geral que deve actuar apenas no âmbito do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, cedendo perante disposições legais avulsas.

Desde logo, antes da reforma, o Professor Vasco Pereira da Silva[2] afastava a necessidade deste recurso, recorrendo para tal a princípios constitucionais, como o princípio da plenitude da tutela dos direitos dos particulares (268º/4 CRP); o princípio da separação entre Administração e Justiça (114º; 205º; 266º CRP); o princípio da desconcentração administrativa (267º/2 CRP); o princípio da efectividade da tutela (268º/4 CRP)
Actualmente o Professor acrescenta a estes outros argumentos, agora com base no Código de Processo dos Tribunais Administrativos, nomeadamente:
   . Artigo 51º/1 CPTA -> Que nos diz que tanto os actos dos subalternos, como os dos superiores, são susceptíveis de preencher as condições impostas pelo artigo e como tal ser autonomamente impugnados, sendo que não há no CPTA disposição expressa a essa necessidade de recurso;

   . Artigo 59º/4 CPTA -> Que permite que o prazo para a impugnação só volte a correr depois de decidida a questão do pedido de reapreciação, sendo esse o caso, o que confere maior garantia administrativa aos particulares.

   . Artigo 59º/5 CPTA -> Que afasta a necessidade de recurso hierárquico já que é sempre possível ao particular aceder de imediato à via contenciosa, independentemente de ter ou não feito uso dessa via.

Desta forma, as garantias administrativas, apesar de facultativas, são também úteis, já que o particular em nada fica lesado ao accionar as mesmas, apenas podendo daí advir benefícios para o próprio.

Diferente parece ser o entendimento de Mário Aroso de Almeida[3], recorrendo a uma interpretação restritiva do regime disposto no CPTA para afirmar que o mesmo configura uma regra geral, pelo que defende a necessidade de recurso hierárquico sempre que tal resulte expressamente de regras especiais avulsas

De igual modo parece ser também o entendimento de grande parte da jurisprudência, onde prevalece o entendimento de que apesar desta mudança de paradigma de impugnabilidade, não foi afastada, pelo menos de forma total, a possibilidade de ocorrerem situações de impugnação graciosa necessária, sejam elas reclamações, recursos hierárquicos ou recursos tutelares. Questão é que essa imposição de esgotamento dos meios graciosos, para se poder aceder à impugnação contenciosa, resulte expressamente da lei[4].

Em total desacordo surge o Professor Vasco Pereira da Silva[5], reforçando a ideia de que o CPTA permite a imediata impugnação dos actos administrativos que sejam praticados pelos subalternos, cabendo por sua vez, ao legislador, harmonizar estas disposições do CPTA com a demais legislação avulsa, nomeadamente através da revogação das disposições que ainda prevêem essa necessidade, por uma questão de certeza e segurança jurídicas.

Esta última posição parece ser a de sufragar, uma vez que é aquela que melhor protege as garantias administrativas dos particulares lesados e que permite que estes disponham das mesmas, de forma inequívoca e com certeza da sua aplicação a todos os casos em que se suscite tal questão, não fazendo sentido que estas garantias possam ser reduzidas discricionariamente, em situações especiais que no entanto serão análogas às situações gerais.

Para que tais impugnações sejam possíveis basta então que se se esteja perante um acto lesivo, de forma certa e segura, com eficácia externa, sendo que, nas palavras do Tribunal Central Administrativo Norte[6]“a própria eficácia externa, enquanto definidora de impugnabilidade contenciosa, não tem de ser actual, podendo ser uma eficácia externa potencial desde que seja seguro ou muito provável que o acto irá produzir efeitos.”


Filipe Santos, nº 18132


[1] Vasco Pereira da Silva; O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise; 2ª Edição; 2009; Pág. 344.

[2] Vasco Pereira da Silva; O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise; 2ª Edição; 2009; Pág. 348 e segs.

[3] Mário Aroso de Almeida; O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos; 4ª Edição; pág. 147.

[4] Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte; Processo: 00034/10.7BEMDL; de 25-03-2011.

[5] Vasco Pereira da Silva; O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise; 2ª Edição; 2009; Pág. 355 e segs.

[6] Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte; Processo: 00411/04.2BEPNF; de 24-05-2007.