terça-feira, 22 de maio de 2012

Legitimidade ativa nas ações de impugnação de atos administrativos (art. 55º/1, a) CTPA)


O art. 55º CPTA possui um alcance claramente objetivista na medida em que confere legitimidade a quem alegue meros interesses de facto, alargando o seu âmbito de aplicação a grupos de “ação popular”.
O art. 55º/1, a) confere legitimidade para impugnar atos administrativos a quem “alegue ser titular de um interesse direto e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo ato nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos”.
De acordo com o critério adotado pelo art. 9º/1º CPTA, enquanto condição necessária para a obtenção de uma pronúncia sobre o mérito da causa, o preenchimento do requisito do art. 55º/1, a) não exige a verificação efetiva de uma situação jurídica invocada pelo autor, bastando-se com a mera alegação dessa titularidade. A legitimidade em questão deve ser aferida em função da verosimilhança pelo autor da situação de legitimidade (1). O Tribunal após verificar que o interessado não é titular da situação jurídica alegada deve considerar improcedente a ação de impugnação intentada pelo autor.
O art. 55º/1, a) exige como condição para a sua aplicação que o requerente tenha um interesse “direto e pessoal”. A concretização do preceito aponta no sentido de que a legitimidade individual para a impugnação dos atos administrativos não tem que se basear na ofensa de um direito ou de um interesse legalmente protegido, bastando que a circunstância de um ato esteja a provocar, no momento em que é impugnado, consequências desfavoráveis na esfera do autor, de modo a que a nulidade ou declaração de nulidade desse ato traga consequências diretas ou imediatas.
A doutrina tem estabelecida uma distinção entre carater pessoal e direto.
Para Aroso de Almeida (2) o carácter pessoal diz respeito ao pressuposto processual da legitimidade, na medida em que se trata de exigir que a utilidade que o interessado pretende obter com a declaração de nulidade do ato impugnado seja uma utilidade pessoal, que o interessado reivindica para si próprio, de modo a poder considerar-se parte legitima, pois alega ser titular do interesse em nome do qual se move o processo. Deste modo, o carácter pessoal prende-se com a possibilidade de o interessado retirar um benefício específico para a sua esfera jurídica.
O carácter direito, ainda no opinião do professor (3), prende-se com a questão de saber se existe ou não um interesse efetivo em pedir a anulação ou declaração de nulidade do ato que é impugnado. Assim sendo, neste ponto é necessário avaliar se o titular do interesse se encontra numa situação efetiva de lesão que justifique o recurso a utilização do meio impugnatório. Neste sentido, o Supremo Tribunal Administrativo tem sufragado o entendimento de que o interesse direto deve ser avaliado tendo por base uma referência ao conteúdo da petição inicial em função das vantagens que o recorrente alega poder retirar da declaração de anulação do ato, sendo que os “efeitos decorrentes de anulação devem repercutir-se, de forma direta e imediata na esfera jurídica do impugnante” (4). Deste modo, possui legitimidade para impugnar quem “esperar obter da anulação do ato impugnante um benefício e se encontrar em condições de o poder receber” sendo o interesse direito desde que “de repercussão imediata na esfera do interessado” (5).  No mesmo sentido: “o interesse será legitimo quando é protegido pelo ordem jurídica, será direito quando tem repercussão imediata no interessado e será pessoal se a repercussão da anulação do ato se projetar na sua própria esfera jurídica” (6).
O interesse direito, exigido noa art. 55º/1, a) CPTA não se confunde com um interesse hipotético ou eventual, uma vez que não se dirige a uma utilidade que possa advir diretamente da anulação do ato impugnado.
Para Aroso de Almeida (7), o carácter direito, do interessado não se prende com questões de legitimidade processual, mas sim com a questão de saber se o titular do interesse, enquanto parte legítima, tem efetiva necessidade de tutela jurisdicional, ou seja, se o interessado tem interesse processual ou interesse em agir.
A título de exemplo: não basta que o impugnante alegue ser proprietário de um prédio em relação ao qual corre um procedimento de declaração de declaração de utilidade pública ou que o funcionário alegue ser arguido num procedimento disciplinar: a admissibilidade da utilização da via impugnatória pressupõe a ocorrência de uma circunstância concreta que determine a necessidade de recorrer aos tribunais (8).
Assim sendo, perante o ato invocado pelo autor é necessário verificar se existe uma efetiva lesão que fundamente uma necessidade de recorrer à tutela jurisdicional através de um meio impugnatório. Pode suceder que numa situação, em concreto, esteja preenchido o interesse pessoal, e por isso, se considere a legitimidade do autor, mas em que não lhe é conferido um interesse direto, ou seja, um interesse processual em agir.
Um exemplo tradicionalmente controverso diz respeito aos pareceres vinculativos. Neste caso, é inquestionável a legitimidade do requerente de um licenciamento para a impugnação de pareceres desfavoráveis que vincule o órgão competente para indeferi o seu requerimento, uma vez que da declaração de anulação ou de nulidade o interessado consegue obter um interesse pessoal. A questão levante, sim, controversa no que diz respeito ao carácter direito. Aroso de Almeida (9) considera que uma vez que os pareceres vinculativos decidem em que sentido devem agir os órgãos que por ele se encontram vinculados, é indiscutível que eles possam ser impugnados pelas entidades a que esses órgãos pertencem - art. 59º/1, c) e d) (10). Neste sentido, o requerente que aguarda a decisão final a proferir no termo do procedimento não tem interesse direito na impugnação. A jurisprudência, contudo, tem orientado a sua posição num sentido mais permissivo, admitindo que o interessado possa recorrer a uma tutela antecipada através da impugnação direta dos pareceres vinculativos desfavoráveis.

(1) Acórdão do STA, 3 de Março de 2004, Processo nº 1240\02
(2) ALMEIDA, Mário Aroso de, “Manual de Processo Administrativo”, Almedina, 2010, pp.234  - 235
(3)idem pp. 236 - 237
(4) Cfr. Por exemplo, os Acórdãos do Pleno do STA de 27 Fevereiro de 1996; ALMEIDA, Mário Aroso de, “Manual de Processo Administrativo”, Almedina, 2010,p. 235
(5) idem
(6) Acórdão Tribunal Administrativo do Norte, de 28 de Abril de 2010. Proc. 000122\09.2 BEMDL
(7) ALMEIDA, Mário Aroso de, “Manual de Processo Administrativo”, Almedina, 2010,p.236
(8) ALMEIDA, Mário Aroso de, “O Novo Regime nos Tribunais Administrativos”, Almedina, 2003
(9) ALMEIDA , Mário Aroso de, “Manual de Processo Administrativo”, Almedina, 2010, pp- 237 - 238
(10) Na mesma linha Pedro Gonçalves, “Apontamentos sobre a função e a natureza dos pareceres vinculativos”; Caderno de Justiça Administrativa, nº 9 -12


Bibliografia
ALMEIDA, Mário Aroso de, “Manual de Processo Administrativo”, Almedina, 2010
ALMEIDA, Mário Aroso de “ O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, 2003
ANDRADE, José Carlos Vieira, “Justiça Administrativa”, Almedina, 2011

Liliana Colaço, nº 18221


Das excepções à facultatividade das impugnações administrativas nomeadamente a “reclamação” do 29.º, nº5 do Estatuto do Ministério Público


A análise desta questão passa, sobretudo, pela análise do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 4.6.2009 no qual se decidiu pela existência de uma reclamação necessária no artigo 29º/5 do EMP na medida em que considerou o preceito, cujo teor ora se cita – “Das deliberações das secções cabe reclamação para o plenário do Conselho”-, não só  i) uma verdadeira e própria reclamação (158º/2/1 CPA) como também, ii) uma efectiva reclamação necessária.

Cumpre, portanto, analisar os dois pontos do problema.

Começa o acórdão por alegar da qualificação da impugnação administrativa no quadro de uma reclamação necessária. Ora, para todos os efeitos, é verdade que a reforma contenciosa e administrativa previu, entre outras coisas, que a definitividade do acto já não constituiria pressuposto processual para a proposição do recurso jurisdicional. Todavia, não menos verdade é que, não obstante a abolição deste principio, tal não se tornava incompatível com a circunstância de se verificarem casos pontuais de impugnações administrativas necessárias. Podemos, portanto, dizer que com o novo regime do CPTA a regra passou a ser a da excepcionalidade da impugnação administrativa necessária, admissível agora na estrita medida em que admitida e prevista por lei. Neste sentido não só se tem pronunciado a doutrina dominante, entre os quais MÁRIO AROSO DE ALMEIDA como também VIEIRA DE ANDRADE, como também maioria da jurisprudência que assumia assim, com vigor, aquelas tendências doutrinais de considerar como não  propositada a intenção legiferante do legislador em revogar todas as determinações legais avulsas que instituíssem impugnações administrativas necessárias. Referência merecida, todavia e também, à posição de VASCO PEREIRA DA SILVA, cuja doutrina se apresenta diametralmente oposta à dos autores enunciados supra, no sentido de defender que as normas especiais que prevêem o recurso hierárquico necessário também se encontram revogadas face ao novo regime processual administrativo.

Todavia este Tribunal vai mais longe. Na dúvida se saber se é ou não aplicável às situações que não estivesses previstas mas tidas apenas como jurisprudencialmente necessárias a situação idêntica às disposições expressas nesse sentido, o tribunal concluiu que sim. E mais: usando de uma alegada corrente jurisprudencial no sentido de ter sido criado um critério que lhes permita distinguir as reclamações (previstas) que eram ou não necessárias, e não tendo o CPTA disposição específica que as derrogue expressamente, tem por inquestionável que também se haverão como necessárias as reclamações que anteriormente cumpriam o requisito definido jurisprudencialmente. O raciocínio é, pois, bem mais vasto: não só se consideram não revogadas as impugnações necessárias previstas em leis avulsas enquanto tal (posição aceite pela doutrina), como também necessárias seriam aquelas que antes da reforma do CPTA eram consideradas como tal, mesmo sem menção expressa, pela jurisprudência, num argumento de identidade de razão (posição já não unanimemente aceite pela doutrina).

É neste seguimento que CARLOS CADILHA contra-argumenta no sentido oposto. Se é verdade que se pode dizer que o CPTA não procurou revogar as disposições legais avulsas que expressamente prevêem um mecanismo de impugnação administrativa necessária, já não se pode ir mais longe. O 59.º/4 e /5 do CPTA não tiveram, em bom rigor, outro alcance senão o de abolir o principio da definitividade vertical (principio geral segundo o qual o acto contenciosamente recorrível era aquele que fosse praticado por um órgão que estivesse colocado na posição máxima da hierarquia, representante final da última palavra da Administração). Principio este que resultava igualmente do 167.º/1 CPA, também ele revogado tacitamente, dificultando assim a tarefa ao intérprete. Pretendeu-se, com efeito, revogar este principio mas, todavia, apenas isso, nada mais.

Quanto à segunda questão – a de saber se o 29.º/5 é ou não, verdadeiramente, um caso de reclamação -, o tribunal serve-se de um argumento de ‘precedente’. Alega para o efeito que sempre que a jurisprudência do STA foi chamada a pronunciar-se sobre a natureza da impugnação deste artigo, tratou-a como reclamação necessária; procura-se, no fundo, justificar a decisão com base numa prática reiterada de interpretação da norma no sentido de a qualificar enquanto reclamação e não recurso hierárquico impróprio. No fundo, e apelando à velha presunção de que o legislador soube sempre exprimir o seu pensamento (art.º 9 CCiv.), procura-se justificar a posição presente com base na ideia de que o legislador não podia ignorar que uma reclamação é, para todos os efeitos, uma reclamação, enquanto que um recurso é, para todos os efeitos, um recurso, juridicamente falando, juridicamente diferentes. Assim, uma leitura correcta do preceito impõe um entendimento qualificador da circunstância como situação de reclamação e não de recurso hierárquico impróprio. Como aliás se demonstra no sumário do acórdão do Pleno deste Tribunal (12/3/1998) “o termo reclamação empregado na lei é utilizado como querendo significar, não recurso hierárquico, que tem como pressuposto a hierarquia, mas a impugnação administrativa do acto perante o autor respectivo, com vista a obter a sua revogação”.  

Também aqui CARLOS CADILHA acaba por divergir na posição do Tribunal. Baseando-se na circunstância de não existir entre os órgãos presentes – a saber, plenário e secção disciplinar – qualquer relação de hierarquia, acaba por considerar que estamos verdadeiramente perante a figura do recurso hierárquico impróprio (enquanto interposto para um órgão que exerce poderes de supervisão sobre outro órgão da mesma pessoa colectiva, fora do âmbito da hierarquia administrativa) e não a da reclamação, reservada apenas para as situações de autocontrolo, não verificada no caso. Reserva assim a esta figura o tipo de impugnação administrativa do caso concreto (29.º/5 EMP); figura esta que deveria ter acolhimento legal expresso, não obstante não ser este facto bastante para lhe atribuir a natureza de impugnação necessária. Ainda assim ficariam sempre ressalvadas as hipóteses de impugnação facultativa.


Da impugnação unitária no contencioso pré-contratual


É tendencialmente pacífico o entendimento de que os actos procedimentais podem ser autonomamente impugnados com base em vícios próprios. Questão diferente, e que aqui se coloca atento o resultado do Acórdão do STA de 27/01/2011, é a de saber em que medida é que pode ainda ser impugnado um vício consequente que gere uma ilegalidade derivada do acto impugnado. O que se questiona é, no fundo, a possibilidade de se impugnar, ainda que não no momento próprio, uma disposição ilegal que padece de um vício não tempestivamente alegado, através de um acto posterior que aplique aquela mesma disposição.

Decidiu o STA naquele acórdão que “a falta de tempestiva impugnação directa de peça do concurso, designadamente do Programa do Concurso, obsta a que o concorrente interessado venha a impugnar, com fundamento em ilegalidade de disposição contida nessa mesma peça concursal, o acto final de adjudicação, que deu aplicação concreta a tal disposição”. Fácil é concluir que este tribunal, optando por uma decisão inovadora na prática jurisprudencial, acaba por conduzir, no final do dia, à conclusão de que o vício, se não sanável em tempo devido, acabaria por se convalidar no mundo jurídico das partes ou determinaria, como bem alega Marco Caldeira, o fim da impugnação unitária no contencioso pré-contratual conducente à inimpugnabilidade da decisão de adjudicação quando os fundamento da impugnação sejam exclusivamente vícios próprios de actos procedimentais anteriores e entretanto já tornados inimpugnáveis.

Naturalmente que os argumentos invocados pelo STA não deixam de ser compreensíveis. É, naturalmente, compreensível que se procure evitar um certo oportunismo dos interessados no sentido de esperarem por uma determinada decisão e, no caso de a não obterem, decidirem então, já ultrapassado o prazo para impugnação do vício do primeiro acto, servir-se do segundo que o reitera, para deitarem a baixo o procedimento. É igualmente compreensível que se procure evitar criar um risco de se ter de voltar sempre ao ponto de partida, à alegação do vício inicial que sucessivamente foi sendo reiterado nos vários actos subsequentes. O foco desta impugnação dever-se-á centrar nos eventuais vícios deste novo acto decisório e não já de anteriores vícios que o contaminem. Diferente entendimento acabaria, no entendimento do STA, por contornar o óbice da falta de impugnação tempestiva das normas do procedimento. Por tudo isto, são ainda acrescentados na argumentação do Acórdão princípios processuais como a segurança e celeridade processuais, na medida em que se vise obter uma certa estabilidade na previsão da alegação de vícios que inviabilizem constantemente o prosseguimento do processo e se procure, doutra medida, obter uma decisão de mérito da forma mais célere possível. Nota, todavia, para o facto de que a celeridade e a segurança não são princípios absolutos, muito menos num contencioso pré-contratual urgente. As garantias de que agora discutimos não são incompatíveis com a possibilidade de impugnação da decisão de adjudicação com base em ilegalidades derivadas. O processo não se configura como um mecanismo que funcione “a todo o custo”. Outros são os interesses que se afiguram de necessária compatibilização.

O problema parece estar, todavia, numa análise do artigo 101º do CPTA. Será que, para o efeito, o decurso do prazo deste artigo preclude a invocação dos vícios daquelas peças para fundamentar a ilegalidade derivada de um acto posterior que as aplique? Será que o limite aqui fixado diz respeito à impugnação das respectivas peças procedimentais, ou antes, pelo contrário, aos próprios vícios subjacentes aos actos? Igualmente importante é a questão de saber se aquilo que se pretende com esta impugnação é torná-la num acréscimo de direitos para o interessado (assumindo a respectiva impugnação a natureza facultativa) ou se é antes, como acaba por fazer este tribunal, torná-la num verdadeiro ónus, acabando esta por assumir um natureza obrigatória.

Não obstante o STA ter optado por conferir natureza obrigatória a esta impugnação, transformando-a num ónus, restringindo ao interessado a oportunidade de alegar vícios a um prazo associado a determinada peça processual a verdade é que, da possibilidade de impugnação de normas procedimentais não decorre necessariamente a impossibilidade de arguição dos vícios destas normas em sede de impugnação dos actos que as apliquem.

Também na senda de um argumento mais histórico, não menos verdade é que o 100.º/2 do CPTA surge como uma acrescento legislativo que resultou de uma preocupação em criar um meio processual urgente que permitisse aos interessados um meio de reacção adequado contra as peças procedimentais, não se bastando com um regime contencioso meramente concebido para a impugnação de actos administrativos, pelo que a possibilidade de uma impugnação directa das respectivas peças procedimentais através de um processo urgente que não estivesse sujeito a todos os requisitos normais da impugnação regulamentar como a aplicação em três casos concretos antes de se poder peticionar a declaração de ilegalidade, acaba por fazer deste regime um mecanismo de acrescento de direitos; é, portanto um plus jurídico para o interessado que aqui se cria, dificilmente compatibilizado enquanto ónus ‘preclusivo’ de direitos.

Parece-nos, por fim, igualmente errado dizer que a não alegação do vício bem como a prática de actos processuais (ex. propostas) num procedimento, implicam a aceitação pelo concorrente das peças procedimentais viciadas, ou mesmo uma renúncia à impugnação de actos posteriores com base em ilegalidades anteriores. Como bem refere o TCA Norte em 18/02/2011 “a aceitação sem reservas do programa do concurso ou de qualquer outro documento confirmador do procedimento de formação de contratos não implica a perda do direito de impugnação de qualquer acto do procedimento, que o interessado entenda lesivo dos seus direitos ou interesses, com fundamento em ilegalidade decorrente da aplicação daquele preceito regulamentar considerado ilegal” por força do 52/1 e 3 e do 100/1. Até porque, atenta as regras gerais na matéria, o decurso do prazo de impugnação de um acto administrativo não significa que o interessado tenha renunciado a arguir a ilegalidade, nem esta se sana pelo facto de o acto se ter tornado inimpugnável.

Traços gerais sobre processos executivos e suas modalidades:

Esta modalidade processual pauta-se pela obtenção pela via judicial de providências que consubstanciem no plano dos factos aquilo que foi decidido em sede de processo declarativo. De grosso modo, passa pela execução do direito, levando à adoção por parte do juiz, funcionários judiciais ou outras entidades ao serviço do tribunal, de medidas que sejam adequadas a colocar a situação de facto existente em conformidade com o direito que houver sido declarado, seja através da execução coactiva do título executivo que sustenta a pretensão, seja, pelo constrangimento do obrigado a cumprir o que nele for determinado.

Os pedidos e as decisões dos processos de execução incluem a especificação dos actos e as operações que serão necessárias para dar efetividade à sentença anulatória, ou seja, reconstituir a situação hipotética atual, que tanto pode incluir a condenação á abstenção ou então adoção de certos comportamentos, prestação de factos e até mesmo á prática de actos administrativos. Para se asseverar a plenitude da execução prevê-se a declaração de nulidade ou anulação de actos contrários à sentença ou que mantenham sem fundamento uma situação que seja ilegal.

A matéria relativa aos processos executivos é regulada pelo CPTA nos artigos 157º a 179º, relativamente às execuções promovidas contra entes públicos (157º/1). O CPTA institui então três formas distintas ao nível deste tipo de processos, nomeadamente, o processo de execução para prestação de factos ou coisas (artigos 162º a 169º); o processo de execução para o pagamento de quantia certa (artigos 170º a 172º) e o processo de execução de sentenças de anulação de actos administrativos (artigos 173º a 179º). Estas pretensões devem ser deduzidas em processos executivos separados.

Segundo o disposto no Art. 158º, pode retirar-se do preceito uma obrigatoriedade do cumprimento espontâneo das sentenças pela administração, salvo as situações de legítima inexecução que mais à frente serão referenciadas, e que se baseiam em casos como a impossibilidade absoluta, física ou legal, invocando ainda o grave prejuízo para o interesse publico, porém a lei tende a admitir uma certa abertura, não podendo no entanto a administração por si só determinar a existência destas situação de inexecução legitima, carecendo as mesmas de reconhecimento através de acordo do interessado ou então sob a égide da própria decisão do juiz na procedência das mesmas.
  • No que concerne ao processo de prestação de facto ou coisa:

Pode ser utilizado para obter a execução tanto de prestações de facto negativo como de facto positivo, bem como a obtenção de execuções que se traduzam na realização de operações materiais ou ainda na prática de actos jurídicos.
Cabe neste ponto uma ressalva em matéria de fungibilidade da prestação. Que se pauta pelo facto deste tipo de prestações poderem ser asseguradas por outrem que não a entidade obrigada, a chamada execução sub-rogatória, que pode ser deferida em primeira linha ao titular de órgão hierarquicamente superior ou com poderes de superintendência sobre o órgão competente para executar (167º/2).
A lei equipara ainda aos factos fungíveis a prática de um ato administrativo legalmente devido de conteúdo vinculado, permitindo a execução através da substituição do ato por sentença do tribunal, a sentença substitutiva (167º/6).
No respeitante a factos infungíveis prestados pela administração, a lei postula um regime extraordinário, em que o juiz específica se for caso disso, a sentença condenatória quanto a actos e operações a adotar, identifica o órgão responsável e fixa um prazo limite para a realização da prestação, cominando se não o tiver feito anteriormente, numa sanção pecuniária compulsória a aplicar aos titulares dos órgãos em falta, por cada dia de atraso. Nos casos de infungibilidade apenas pode haver execução indireta, ou seja a coação do obrigado ao cumprimento, não podendo haver cumprimento por parte de terceiro ou substituição pelo juiz na produção de efeitos jurídicos.
Podem ainda ser invocadas causas legítimas de inexecução reconhecendo a impossibilidade absoluta de executar e a grave lesão do interesse publico que a execução possa envolver, caso tal situação seja comprovada a execução pode ser substituída pelo reconhecimento ao exequente do direito à indeminização devida pela inexecução (163º e 166º/1), deixando a autoridade administrativa de estar adstrita ao cumprimento integral da sentença.

  • Processo de execução para pagamento de quantia certa:

Execução de obrigações que se consubstanciam no pagamento de quantias em dinheiro. Pretende-se assegurar o cumprimento integral de dívidas. O artigo 172º prevê dois tipos específicos de providências de execução, nomeadamente, o particular poder solicitar a compensação do seu crédito com dívidas que tenha para com a mesma pessoa coletiva (170/2 a), e o pagamento por conta da dotação no orçamento de Estado. Neste processo só se pode fundar a oposição na extinção ou redução superveniente da divida (171º/1 e 2).  

  • Execução de sentenças de anulação de actos administrativos:

Pauta-se pela regulação do conteúdo do dever da administração executar as sentenças de anulação de actos administrativos. Trata-se portanto de impor à administração o dever de reconstituir a situação que deveria existir sem o ato e de asseverar ao impugnante que teve ganho de causa no processo impugnatório, a possibilidade de ativar por via jurisdicional o cumprimento desse dever. O artigo 173º CPTA postula o dever de executar da Administração e o seu conteúdo, bem como o 174º e 175º referentes à realização voluntária da execução. Em caso de não atuação voluntária por parte da administração, emergirá o procedimento de execução referido no artigo 176º e ss.

O artigo 173º, relativo ao dever de executar, refere os três deveres segundo os quais a administração pode ficar constituída:
1.      Reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado;
2.      Dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido durante a vigência do ato ilegal, porque o mesmo os dispensava;
3.     Eventual substituição do ato ilegal sem reincidir nas ilegalidades anteriormente cometidas.

A execução de forma voluntária por parte da administração de sentença anulatória rege-se pelos preceitos de direito substantivo que determinam o conteúdo do dever de executar em função do regime da anulação de actos administrativos. Desta feita a causa legítima de inexecução funciona aqui como uma situação limite, tendo em consideração as dimensões declarativas do processo e as potencialidades reconstrutivas da situação.




Bibliografia:
ALMEIDA, Mário Aroso de, "Manual de Processo Administrativo", Almedina, 2010. Pág. 499
ANDRADE, José Carlos Vieira de, "A Justiça Administrativa", Almedina, 2011. Pág. 353


Ana Catarina Gregório Luís
Nº 17964

Art. 132º CPTA - Regime Especial de atribuição de Providências Cautelares


O art. 132º  CPTA enquadra-se num grupo de disposições que visam fixar um regime especial para providências relativas a uma determinada situação e com um determinado conteúdo em que, de duas uma: ou se derroga o regime geral ou se lhe impõe adaptações (art. 112º ss CTPA) constituindo de algum modo providências específicas. Deste modo, tais providências só podem ser requeridas quando se verifiquem os respetivos pressupostos.
O regime do art. 132º CPTA resulta da incorporação no Código do regime estabelecido no art. 134º/98, de 15/5, cujo âmbito, inicialmente circunscrito à transposição da Diretiva nº 89\665\CEE, foi posteriormente alargado ao contencioso pré-contratual nos setores especiais aquando da transposição da Diretiva 92\13\ CEE (art. 48º, DL nº 223\01, de 9\8) (1).
O art. 132º não cobre apenas os tipos específicos de contratos abrangidos pelo âmbito de aplicação das Diretivas – nomeadamente art. 100º CPTA – mas estende o seu âmbito de aplicação às providências cautelares relativas ao procedimento de todo o tipo de contratos.
O aspeto mais relevante do art. 132º CPTA diz respeito ao nº6, que faz depender a atribuição das providências a um “juízo de probabilidade do Tribunal quanto a saber se, ponderados os interesses susceptíveis de serem lesados, os danos que resultariam da adoção da Providência são superiores aos prejuízos que podem resultar da não adoção”. O critério da ponderação de interesses em que assenta a redação do no 6º do art. 132º, corresponde ao termo das Diretivas, que fazem assentar a atribuição de providências numa ponderação semelhante a que resulta do art. 120\2º CPTA. Contudo nem o Periculum in mora (fundado receio de que, se a providência for recusada se tornara impossível, no caso, o processo principal vir a ser julgado procedente) nem a aparência do bom direito (avaliação por parte do juiz do grau de probabilidade de êxito do requerimento no processo declarativo), seguem os critérios definidos no art. 120º/1, b) e c) CPTA são, pois, critérios cuja aplicação depende a concessão de providências cautelares neste domínio específico. A razão prende-se com o facto de a eventual extensão dos critérios referidos, em supra, poder conduzir a resultados concretos mais restritivos na concessão das providências do que aqueles que resultariam da aplicação do critério das Diretivas, correndo o risco de se entender que não se procedeu à adequada transposição das Diretivas. Para além disso, a não consagração da solução imposta redundaria numa alteração significativa do critério, que já se encontrava anteriormente consagrado no art. 5\4º DL 143\98.
É de notar, contudo, que o art. 132º/6 CPTA não prescinde, na sua totalidade, do periculum in mora. Assim, para que possam resultar prejuízos da não adoção das providências é necessário que exista, uma situação de risco, associada à morosidade do processo principal, e que a adoção da providência dê solução. O que o artigo não exige é um periculum in mora com a exata configuração do art. 120\1, a) e b) CPTA.
Outro aspeto a salientar, resulta do facto de o art. 132º/6 CPTA fazer uma referência expressa à previsão do art. 120º/1, a) CPTA. O preceito estabelece entre os dois artigos o mesmo tipo de relação que, nos outros domínios existe no art. 120º/1, a) e nº2 CPTA, implicando que, quando seja de entender que é evidente a procedência da pretensão do requerente no processo principal, não há lugar à ponderação de interesses, pelo que a providência deve ser concedida sem outras considerações.
Na opinião de Aroso de Almeida (2) , fora das situações do art. 120º/1, a) CPTA, o juiz cautelar não pode, neste domínio, formular qualquer juízo sobre a aparência do bom direito do requerente, nomeadamente para efeitos de recusa da providência. A não ser admitida tal solução, o juiz poderia atribuir a providência mesmo em situações em que se considerasse evidente a improcedência do processo principal.
Em suma, fora das situações excecionais consagradas no art. 120º/1, a) CPTA, o juiz não pode sequer formular qualquer juízo sobre a aparência de bom direito do requerente.
Em sentido diverso, Vieira de Andrade (3) que tende a admitir, ainda que considere, “discutível” que a aparência de direito releve autonomamente para além dos casos de evidência, ou seja, o juiz pode ter que enveredar por uma avaliação de fundo em caso de incerteza, atendendo à diferença de grau de probabilidade de procedência do pedido principal.

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(1) MARTINS, Ana Gouveira, “Tutela cautelar no contencioso Administrativo (em especial, nos procedimentos de formação dos contratos”, Coimbra 2005, pág. 303 - 305
(2) ALMEIDA, Mário Aroso de, “Manual de Processo Administrativo”, Edições Almedina, 2010, pág. 492
(3) ANDRADE, José Carlos Vieira, “Justiça Administrativa” Edições Almedina, 2011, pág. 328

Bibliografia
ALMEIDA, Mário Aroso  de, “Manual de Processo Administrativo”, Edições Almedina, 2010
ANDRADE, José Carlos Vieira, “Justiça Administrativa” Edições Almedina, 2011
MARTINS, Ana Gouveira, “Tutela cautelar no contencioso administrativo (em especial nos procedimentos de formação dos contratos), Coimbra, 2005

Liliana Colaço, nº 18221

Breve referência ao Processo de execução de sentenças de anulação de actos administrativos

O regime jurídico está presente nos artigos 173º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (seguidamente CPTA).

Apesar de não existir uma divisão no Capitulo IV do CPTA, verifica-se uma dualidade no regime, por um lado os artigos 173º a 175º e por outro, os artigos 176º a 179º CPTA.

O artigo 173º CPTA postula o dever de executar da Administração e o seu conteúdo, sendo apoiado pelos artigos 174º e 175º CPTA, que respeitam à realização voluntária da execução. Apenas não se verificando esta actuação voluntária surgirá o verdadeiro procedimento de execução (176º e ss CTPA).

O artigo mencionado (173º CPTA) possui uma dimensão substantiva e não processual, sendo o artigo aplicável tanto quando é proposto um processo autónomo para execução, como quando é desde o início, cumulado o pedido de anulação com as operações exigidas à Administração para reconstruir a situação que deveria existir.

Este artigo evidencia a existência de três deveres que a Administração poderá ter que acatar:

1.      Substituição do acto ilegal;

2.      Reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado;

3.      Dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no acto anulado.

A necessidade de restabelecer a legalidade e de afastar a lesão existente verifica-se na possibilidade de aplicação retroactiva dos actos, desde que estes não contrariem o mínimo de segurança jurídica, como ocorreria com a imposição de deveres, ou aplicação de sanções, 173º/2.

Os artigos 174º e 175º CPTA referem-se à competência e prazos, respectivamente. A regra geral é de atribuição competência de cumprimento de execução do acto ao órgão que praticou o acto anulado, 174º/1 CPTA, tendo que ser realizada no prazo de três meses, 175º/1, exceptuando-se a existência de uma causa legitima de inexecução (impossibilidade absoluta e o grave prejuízo para o interesse público na execução da sentença, 163º ex vi 175º/2), no entanto, esta não releva se estiver em causa uma quantia pecuniária, 175º/3 CPTA.

O verdadeiro processo de execução surge nos artigos 176º e seguintes do CPTA.

Este processo de execução está elaborado para sentenças de mera anulação e não situações de cumulação do pedido no processo impugnatório (sentenças condenatórias). Esta exigência surge com a necessidade de aplicação do momento declarativo (essencial para “conhecer a história”, de modo a saber quais os deveres que a Administração ficou incumbida de cumprir) e eventualmente do momento executivo.

O momento declarativo verifica-se, desde logo, pela exigência de uma petição de execução, que surgirá apenas devido ao incumprimento da Administração no dever de execução que lhe foi incumbido, 176º. Seguirá depois uma tramitação específica, prevista no artigo 177º, sendo possível a citação de contra-interessados que terão que contestar no prazo de 20 dias, assim como a réplica do autor. A decisão do tribunal é célere, apenas 20 dias de prazo máximo, 177º/5. É através desta decisão (desde que a favor do autor) que surge, pela primeira vez na esfera da Administração uma obrigação de cumprimento de deveres do artigo 173º.

Se após a decisão do Tribunal a Administração incumprir no dever que lhe é exigido, é possível o autor prosseguir para o momento de execução, assim:

1.      Recorre ao processo executivo para pagamento de quantia certa nos casos do artigo 179º/4 CPTA

2.      Requer ao tribunal a emissão de sentença que produza os efeitos do acto ilegalmente omitido, nos termos do artigo 179º/5 CPTA

3.      Requer ao tribunal a fixação de indemnização que lhe é devida a título de responsabilidade civil, pela inexecução ilícita da sentença (Mário Aroso de Almeida defende que esta situação conduz a um processo de execução de prestação de coisas ou de facto).

Por fim, é necessário referir que a maioria da doutrina defende a aplicabilidade deste regime às sentenças declarativas de nulidade ou de inexistência de actos administrativos, apesar de ter sido pensado inicialmente, exclusivamente para sentenças de anulação.

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Bibliografia:

José Carlos Vieira de Andrade, A justiça administrativa (lições), 2011

Mário Aroso de Almeida, Anulação de actos administrativos e relações jurídicas emergentes, Coimbra, 2002

Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2010

Mário Aroso de Almeida, “Regime jurídico dos actos consequentes de actos administrativos anulados”, Cadernos de Justiça Administrativa, n.º28

Susana Soares
N.º 18425

Breves notas sobre Processos Cautelares

O principio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, presente no artigo 268º nº 4 da Constituição e reafirmado no artigo 2º nº 2 do CPTA, é assegurado também ao nível cautelar. (2º/1 e 112º e seg. do CPTA).
A tutela cautelar constitui, por definição, uma regulação provisória de interesses[1]. Os processos cautelares não são processos principais. Ao invés, são processos instrumentais face aos principais, o que explica que a decisão proferida num processo cautelar seja provisória, e não definitiva. É também pela urgência que se caracterizam estes processos (36º/1 alínea e), motivo pelo qual correm mesmo durante as férias judiciais. A sua finalidade está marcada pela necessidade demonstrada em assegurar que a sentença que vier a ser produzida no processo principal terá a sua utilidade normal, e que não venha fora de tempo.

Para que a tutela jurisdicional efectiva seja o mais ampla possível admite-se providências de qualquer tipo desde que se mostre adequada a assegurar a utilidade da sentença. Podemos ainda assim agrupar os processos cautelares por objectivos. Temos então providências com dois objetivos distintos, mas que por vezes se confundem: as conservatórias visam preservar a situação existente nomeadamente mantendo a titularidade de um direito que o requente está em vias de perder; e as antecipatórias visam prevenir um dano antecipando uma situação que não ainda não existe mas para a qual haja um interesse pretensivo, ou seja, adiantando um beneficio que o particular pretende ter direito.

Como já referi os processos cautelares dependem sempre de um processo principal, o que não significa que tenham de ser requeridas já depois de instaurado o dito processo ou no mesmo momento. Podendo o momento da propositura da providência cautelar, ser prévio ao processo principal, como prevê o disposto no artigo 114º nº1 do CPTA. Neste último caso, assume natureza de processo preliminar[2], sendo apensado aos autos da cauda principal assim que esta seja intentada (113º/3).

Para que o Juiz decida conceder a providência cautelar é necessário que ela respeite determinados requisitos:

  •  Periculum in mora é o mais importante dos critérios que se funda pela existência de perigo de inutilidade da sentença resultante do decurso do tempo. Segundo o disposto no artigo 120º do CPTA existe periculum in mora quando “haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar ou ver reconhecidos”. Deve entender-se que estaremos perante o “facto consumado” se os factos alegados pelo requerente permitem formular o receio de uma posterior impossibilidade de reintegração da situação conforme à legalidade na sua esfera jurídica (em caso de procedência da acção principal). Mesmo quando a reintegração da situação jurídica não se torne impossível mas, que se preveja difícil ou que a reintegração da situação jurídica não consiga reparar todos os danos até então produzidos, deve ser considerado preenchido este requisito pelo fundado receio de produção de prejuízos de difícil reparação. O juiz deve fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha ser inútil, por entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua esfera jurídica”[3]. Devem ser tidos em conta todos os prejuízos relevantes. E quanto ao fundado receio ele deve ser um juízo de probabilidade;

  • Fumus boni iuris exige uma avaliação do grau de probabilidade de sucesso na acção principal. Ora este critério é avaliado de forma diferente, consoante esteja em causa uma providência conservatória ou antecipatória. Nas primeiras a exigência é menor do que nas segundas. Ora vejamos, as providências conservatórias só não será concedida se for “manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular” no processo principal (artigo 120º/1 alínea b), enquanto que as providências antecipatórias para receberam provimento, é necessário que “seja provável que a pretensão formulada ou a formular venha a ser julgada procedente” ( artigo 120º/1 alínea c).

  •  Proporcionalidade (ponderação e prejuízos) aparece praticamente como uma cláusula de salvaguarda[4] que permite que, ainda que demonstrados o periculum in mora e o fumus boni iuris, o juiz possa recusar a providência cautelar sempre que o prejuízo que resulte para o requerido seja superior ao que se pretende evitar com o decretamento da providência cautelar. Para isso é necessária a ponderação dos interesses em presença. Viera de Andrade[5] chama a atenção para a questão de que não se está aqui a ponderar ou contrapor interesses públicos e privados, até porque podem estar interesses públicos de ambos os lados. O que deve ser ponderado são antes os danos ou os prejuízos que podem resultar da concessão, ou da recusa, da providência cautelar, para todos os interesses envolvidos, sejam eles públicos ou privados.


A decisão é provisória, ou seja, caduca com a execução da decisão principal nos termos do artigo 123º. Deve limitar-se ao necessário para evitar a lesão dos interesses que se pretendem tutelar pelo que o tribunal pode decretar providência diferente, da que lhe tenha sido requerida, por se manifestar menos gravosa para os outros interesses em jogo e que ainda assim seja adequada para evitar a lesão.


[1] José Carlos vieira de andrade, A Justiça Administrativa: Lições, 11ª edição, Coimbra, Almedina, 2011, p.315
[2] Diogo Freitas do Amaral, As providências cautelares no novo contencioso administrativo, in Cadernos de Justiça Administrativa, nº 43, 2004, p. 7
[3]Cfr.  José Carlos vieira de andrade, A Justiça Adminis… p.305
[4] No dizer de cfr. Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo,
[5]Cfr José Carlos vieira de andrade, A Justiça Adm… , p.312

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BIBLIOGRAFIA :

Almeida, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Coimbra, Almedina, 2010, pp. 437 e seg.

Almeida, Mário de Aroso de, Medidas cautelares no ordenamento contencioso - breves notas, in Direito & Justiça, 1997/II, pp. 139 e seg.

Amaral, Diogo Freitas do, As providências cautelares no novo contencioso administrativo, in Cadernos de Justiça Administrativa, nº 43, 2004, p. 4 e seg.

Andrade, Carlos Vieira de, A Justiça Administrativa: Lições, 11ª edição, Coimbra, Almedina, 2011, pp. 299-230

Silva, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise: ensaio sobre as acções no novo processo administrativo, 2ª edição actualizada, Coimbra, Almedina, 2009, pp. 241-254






Joana de Almeida Ferreira
nº18172


Processos urgentes: intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões

Os processos urgentes pautam-se pelo seu caracter célere, simplificado, acelerado. O CPTA prevê quatro tipos de situações, sem prejuízo de outras em legislação especial (36º), em que entende que existe a necessidade de obter com urgência a decisão de fundo sobre o mérito da causa. Nomeadamente estes quatro tipos de processos são os relativos a contencioso eleitoral (97º a 99º) e pré contratual (100º a 103º), os pedidos de intimação para proteção de direitos liberdades e garantias (109º a 111º) e por fim a intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões (104º a 108º).
A qualificação deste tipo de situações como urgentes remete para a aplicação do artigo 36º e 147º, demarcando um regime processual abreviado. Este tipo de processos segundo o professor Vieira de Andrade são processos principais urgentes, que se distinguem pela sua prioridade, devido à convicção de que determinadas questões, em função de determinado circunstancialismo que lhe está adjacente, devem ou têm mesmo de obter uma resolução definitiva por via judicial relativa ao mérito da causa, tudo isto no menor espaço de tempo.
Estes processos têm especificidades quanto ao seu regime, para além das fases processuais serem mais abreviadas e os prazos mais curtos, todos os processos correm em férias judicias com dispensa de vistos prévios, sendo os actos da secretaria elaborados no próprio dia tendo prioridade sobre quaisquer outros e subindo ainda os recursos de forma imediata.

Debrucemo-nos especificamente nas intimações que são processos urgentes de condenação que se traduzem na emissão de uma imposição judicial em regra dirigida á administração para a adoção de determinados comportamentos.

Quanto à intimação para prestação de informações, consulta de processos e passagem de certidões, que consta nos artigos 104º e 108º do CPTA. Inicialmente este meio era visto como um meio acessório, hoje e devido à evolução jurisprudencial e da doutrina, é configurado como uma ação principal e urgente, passando a ser encarado como o meio adequado para obter a satisfação das pretensões informativas, tanto ao nível de informações procedimentais como o acesso a registos administrativos (104º). Pode no entanto ser utilizado para obter notificação integral de ato administrativo, no âmbito de processos impugnatórios (60º/2). Como verificamos este tipo de intimação abrange um vasto campo de aplicação, o que poderia levar ao seu uso para situações onde não existisse o crivo da urgência, porém esta amplitude justifica-se pelo valor da transparecia processual.
No respeitante à legitimidade a intimação deve ser pedida por quem for titular do direito de informação, ou no caso da utilização em sede de impugnação judicial terão legitimidade todos aqueles a quem for licito a utilização dos meios impugnatórios (104º/2).
Quando se recorre a este meio, pressupõe-se um prévio incumprimento por parte da administração do seu dever de informação ou notificação, existindo um pedido anterior por parte do interessado, precisamente para essa prestação por parte da administração. O pedido anterior do interessado é então um pressuposto processual para o recurso a este procedimento, contando-se o prazo de 20 dias a contar a partir da não satisfação ou omissão (105º).
Relativamente à tramitação, e como já acima referi, pauta-se pela simplicidade (107º), uma vez recebido o requerimento de intimação emanado do autor, o juiz ordena a citação da entidade demandada para responder no prazo de 10 dias, uma vez decorrido o prazo ou depois da apresentação da resposta, segue-se a decisão por parte do juiz, a menos que o mesmo ache necessário a realização de diligências complementares. Em caso de provimento a decisão será condenatória e o juiz deverá fixar um prazo de 10 dias para o cumprimento da intimação (108º/1). Se houver incumprimento da intimação é de sancionar a situação, nos termos do artigo 108º/2.



Bibliografia: 
ALMEIDA, Mário Aroso de, "Manual de Processo Administrativo", Almedina, 2010. pág.407-410
ANDRADE, José Carlos Vieira de, "A Justiça Administrativa", Almedina, 2011. pág. 219- 222 e 234-238


Ana Catarina Luís
nº 17964

Forma do processo cautelar

O CPTA regula a forma dos processos cautelares nos artigos 114º. a 119º. Ai está presente o modelo comum de tramitação que é sujeito a adaptações pelo artigo 132º./4 e 5 CPTA. Estas adaptações só são aplicaveis aos processos em que seja requerida a adopçaõ de providências relativas a procedimentos de formação de contratos.
Tendo presente o disposto no art.114º./1 , se o procedimento cautelar for intentado a par do processo principal, o processo cautelar deve ser apresentado em requerimento autónomo. Este requerimento deve preencher os requisitos do art.114º./3, ao que deve ser acrescentado a indicação do valor do processo cautelar (art.32º./6). A determinação desse valor é feita a partir do prejuízo que se quer evitar, dos bens que se querem conservar ou da prestação pretendida a título provisório.

O requerente deve fornecer no requerimento cautelar a identificação dos contra-interessados a quem a adopção da providência possa prejudicar . O art.115º. permite ultrapassar estas dificuldades.
Outtro requisito está presente no art.114º./3 g), ou seja, sobre o requerente recai o ónus de oferecer os meios de prova no requerimento inicial. Sobre os requeridos recairá o respectivo ónus de oferecer os meios de proa com a oposição (art.118º./2).
Nada está previsto quanto à indicação de prova. Nada estando estabelecido em lei em contrário, a prova documental pode ser junta até ao encerramento da discussão no processo (art.523º./2 CPC).
Há um caso de excepção (art.132º./4) nos processos cautelares dirigidos à adopção de providências relativas  a procedimentos de formação de contratos. Neste caso, a prova documental não pode ser junta até ao encerramento da discussão no processo, mas deve ser desde logo produzida com o requerimento cautelar.
O requerente deve ser notificado para proceder ao suprimento de alguma irregularidade do requerimento (art.114º./4). O eventual não suprimento dentro do prazo implica a rejeição liminar do pedido (art.116º.) Poderá, no entanto, dar lugar a um despacho liminar de admissão ou rejeição do requerimento cautelar - art.116º.
A tramitação dos procedimentos cautelares compreende a emisão de despacho liminar do juiz, em momento prévio ao da citação - art.116º.

O despacho liminar só deverá ser rejeitado se faltar um dos requisitos impostos que não tenham sido supridos na sequência na sequência de notificação; ou se o tribunal considerar que é evidente ou manifesta a existência de excepções dilatórias.
Segundo o Professor Mário Aroso de Almeida, o art.116º./2 d) deve permitir o indeferimento liminar do requerimento inicial quando seja manifesta a improcedÊncia da pretensão formulada.

Depois de proferido o despacho liminar de admissão do requerimento, os requeridos são citados (ART.117º.) para deduzir oposição , com prazo de 10 dias. Em princípio, a citação é simultânea excepto no caso do art.115º. Nesse caso e segundo o art.117º./2, a secretaria só expede as citações após a rsposta da autoridade requerida ou após o termo do prazo respectivo.
A falta de oposição dentro do prazo tem um efito cominatório complementar, ou seja, reconhecimento por parte do juiz, para efeito da decisão a adoptar, da inexistência de tal lesão,salvo quando ela seja manifesta ou ostensiva (art.120º./5).
As oposições devem ser notificadas ao requerente e pode haver lugar à apresentação de um articulado suplementar por parte deste. O juiz deverá providenciar pelo suprimento de pressupostos processuais que possam ser sanados - art.7º. e 265º./2 CPC.
O juiz deverá ordenar as diligências necessárias para obtenção de meios de prova - art.118º./3.
Segundo o professor Mario Aroso de Almeida, o juiz não está limitado à possibilidade de ordenar a produção dos meios de prova requeridos pelas partes, podendo ordenar a produção de outros meios de prova - art.386º.CPC e providenciar diligências que considere necessárias.
O art.119º./1 conta o prazo para proferir a decisão. Antes de proferida a decisão o juiz deve fixar a matéria de facto, mediante a indicação, por despacho, dos factos que julga provados e dos que julga não provados - art.304º./5 CPC. As partes terão oportunidade de se pronunciarem sobre a decisão da matéria de facto - art.653º./4 CPC.
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