O art. 55º CPTA possui um alcance
claramente objetivista na medida em que confere legitimidade a quem alegue
meros interesses de facto, alargando o seu âmbito de aplicação a grupos de
“ação popular”.
O art. 55º/1, a) confere
legitimidade para impugnar atos administrativos a quem “alegue ser titular de um interesse direto e pessoal, designadamente
por ter sido lesado pelo ato nos seus direitos ou interesses legalmente
protegidos”.
De acordo com o critério adotado
pelo art. 9º/1º CPTA, enquanto condição necessária para a obtenção de uma
pronúncia sobre o mérito da causa, o preenchimento do requisito do art. 55º/1,
a) não exige a verificação efetiva de uma situação jurídica invocada pelo
autor, bastando-se com a mera alegação dessa titularidade. A legitimidade em
questão deve ser aferida em função da verosimilhança pelo autor da situação de
legitimidade (1). O
Tribunal após verificar que o interessado não é titular da situação jurídica
alegada deve considerar improcedente a ação de impugnação intentada pelo autor.
O art. 55º/1, a) exige como
condição para a sua aplicação que o requerente tenha um interesse “direto e pessoal”. A concretização do
preceito aponta no sentido de que a legitimidade individual para a impugnação
dos atos administrativos não tem que se basear na ofensa de um direito ou de um
interesse legalmente protegido, bastando que a circunstância de um ato esteja a
provocar, no momento em que é impugnado, consequências desfavoráveis na esfera
do autor, de modo a que a nulidade ou declaração de nulidade desse ato traga consequências
diretas ou imediatas.
A doutrina tem estabelecida uma
distinção entre carater pessoal e direto.
Para Aroso de Almeida (2) o carácter pessoal diz respeito ao pressuposto
processual da legitimidade, na medida em que se trata de exigir que a utilidade
que o interessado pretende obter com a declaração de nulidade do ato impugnado
seja uma utilidade pessoal, que o
interessado reivindica para si próprio, de modo a poder considerar-se parte
legitima, pois alega ser titular do interesse em nome do qual se move o
processo. Deste modo, o carácter pessoal
prende-se com a possibilidade de o interessado retirar um benefício específico
para a sua esfera jurídica.
O carácter direito, ainda no opinião do professor (3), prende-se com a questão de saber se
existe ou não um interesse efetivo em pedir a anulação ou declaração de
nulidade do ato que é impugnado. Assim sendo, neste ponto é necessário avaliar
se o titular do interesse se encontra numa situação efetiva de lesão que
justifique o recurso a utilização do meio impugnatório. Neste sentido, o
Supremo Tribunal Administrativo tem sufragado o entendimento de que o interesse
direto deve ser avaliado tendo por base uma referência ao conteúdo da petição
inicial em função das vantagens que o recorrente alega poder retirar da
declaração de anulação do ato, sendo que os “efeitos
decorrentes de anulação devem repercutir-se, de forma direta e imediata na
esfera jurídica do impugnante” (4). Deste modo, possui
legitimidade para impugnar quem “esperar
obter da anulação do ato impugnante um benefício e se encontrar em condições de
o poder receber” sendo o interesse direito
desde que “de repercussão imediata na
esfera do interessado” (5). No mesmo sentido: “o interesse será legitimo quando é protegido pelo ordem jurídica, será
direito quando tem repercussão imediata no interessado e será pessoal se a
repercussão da anulação do ato se projetar na sua própria esfera jurídica” (6).
O interesse direito, exigido noa art. 55º/1, a) CPTA não se confunde com um
interesse hipotético ou eventual, uma vez que não se dirige a uma utilidade que
possa advir diretamente da anulação do ato impugnado.
Para Aroso de Almeida (7), o carácter direito, do interessado não se prende
com questões de legitimidade processual, mas sim com a questão de saber se o
titular do interesse, enquanto parte legítima, tem efetiva necessidade de
tutela jurisdicional, ou seja, se o interessado tem interesse processual ou interesse
em agir.
A título de exemplo: não basta
que o impugnante alegue ser proprietário de um prédio em relação ao qual corre
um procedimento de declaração de declaração de utilidade pública ou que o
funcionário alegue ser arguido num procedimento disciplinar: a admissibilidade
da utilização da via impugnatória pressupõe a ocorrência de uma circunstância
concreta que determine a necessidade de recorrer aos tribunais (8).
Assim sendo, perante o ato
invocado pelo autor é necessário verificar se existe uma efetiva lesão que
fundamente uma necessidade de recorrer à tutela jurisdicional através de um
meio impugnatório. Pode suceder que numa situação, em concreto, esteja
preenchido o interesse pessoal, e por
isso, se considere a legitimidade do autor, mas em que não lhe é conferido um
interesse direto, ou seja, um interesse processual em agir.
Um exemplo tradicionalmente
controverso diz respeito aos pareceres vinculativos. Neste caso, é
inquestionável a legitimidade do requerente de um licenciamento para a impugnação
de pareceres desfavoráveis que vincule o órgão competente para indeferi o seu
requerimento, uma vez que da declaração de anulação ou de nulidade o
interessado consegue obter um interesse pessoal.
A questão levante, sim, controversa no que diz respeito ao carácter direito. Aroso de Almeida (9) considera que uma vez
que os pareceres vinculativos decidem em que sentido devem agir os órgãos que
por ele se encontram vinculados, é indiscutível que eles possam ser impugnados
pelas entidades a que esses órgãos pertencem - art. 59º/1, c) e d) (10). Neste sentido, o
requerente que aguarda a decisão final a proferir no termo do procedimento não
tem interesse direito na impugnação. A jurisprudência, contudo, tem orientado a
sua posição num sentido mais permissivo, admitindo que o interessado possa
recorrer a uma tutela antecipada através da impugnação direta dos pareceres
vinculativos desfavoráveis.
(1) Acórdão do STA, 3 de Março de 2004,
Processo nº 1240\02
(2) ALMEIDA, Mário Aroso de, “Manual de Processo Administrativo”, Almedina,
2010, pp.234 - 235
(3)idem pp. 236 - 237
(4) Cfr. Por exemplo, os Acórdãos do
Pleno do STA de 27 Fevereiro de 1996; ALMEIDA, Mário Aroso de, “Manual de Processo Administrativo”, Almedina,
2010,p. 235
(5) idem
(6) Acórdão Tribunal Administrativo do
Norte, de 28 de Abril de 2010. Proc. 000122\09.2 BEMDL
(7) ALMEIDA, Mário Aroso de, “Manual de Processo Administrativo”, Almedina,
2010,p.236
(8) ALMEIDA, Mário Aroso de, “O Novo Regime nos Tribunais
Administrativos”, Almedina, 2003
(9) ALMEIDA , Mário Aroso de, “Manual de Processo Administrativo”, Almedina,
2010, pp- 237 - 238
(10) Na mesma linha Pedro Gonçalves, “Apontamentos sobre a função e a natureza
dos pareceres vinculativos”; Caderno de Justiça Administrativa, nº 9 -12
Bibliografia
ALMEIDA, Mário Aroso de, “Manual de Processo Administrativo”, Almedina,
2010
ALMEIDA, Mário Aroso de “ O Novo Regime do Processo nos Tribunais
Administrativos”, Almedina, 2003
ANDRADE, José Carlos Vieira, “Justiça Administrativa”, Almedina, 2011
Liliana
Colaço, nº 18221