quinta-feira, 19 de abril de 2012

Acção de Condenação à Prática do Acto Devido – Aspectos gerais

O artigo 66º do CPTA consagra uma modalidade de acção administrativa especial, concretamente a acção de condenação à prática de um acto devido por parte da administração, estando aqui presente a lógica da plena jurisdição.

Ultrapassou-se desta forma uma concepção antiga que utilizava o princípio da separação de poderes como justificação para o juiz só poder anular actos administrativos mas não dar ordens à administração e isto, porque como nos diz o Professor Vasco Pereira da Silva [1] “uma coisa é condenar a Administração à prática de actos administrativos devidos (…) o que corresponde à tarefa de julgar, outra coisa, completamente diferente é o tribunal praticar actos em vez da Administração, ou invadir o domínio das escolhas remetidas por lei para a responsabilidade da Administração no domínio da discricionariedade administrativa, o que corresponde ao âmbito de administrar e em que já pode fazer sentido invocar o princípio da separação de poderes”.

Assim e como nos diz o mesmo Professor, estas sentenças de condenação, não violam o dito princípio, sendo mesmo a forma mais adequada, no âmbito do Contencioso Administrativo de plena jurisdição, para reagir contra comportamentos da Administração lesivos de direitos dos particulares.

Como se pode retirar do artigo 66º/1 do CPTA, existem duas modalidades de acção de condenação da administração à prática do acto devido, nomeadamente a prática de um acto ilegalmente omitido, que corresponde ao pedido de condenação de emissão desse acto e a prática de um acto que foi recusado correspondendo este ao pedido de condenação de emissão de um acto que seja favorável ao particular, substituindo assim o emitido anteriormente e cujo conteúdo foi desfavorável.

Esta referência ao pedido não surge por acaso.
Como é sabido, no âmbito do Contencioso Administrativo torna-se necessário distinguir entre:
   . pedido imediato - > é o efeito pretendido pelo autor;
   . pedido mediato - > é o direito que esse efeito visa tutelar.

Estando em causa uma acção para a defesa de direitos dos particulares, é necessário considerar o pedido tanto na sua vertente imediata como mediata ligando os efeitos pretendidos aos direitos que se visa proteger;

Relativamente a esta questão do objecto, abre-se discussão na doutrina, perante o disposto no nº 2 do artigo 66º do CPTA “ (…) o objecto do processo é a pretensão do interessado e não o acto de indeferimento (…)”.

Alguma doutrina, como Vieira de Andrade, parece considerar que existe uma maior valoração do pedido imediato, centrando-se quase exclusivamente no efeito pretendido pelo autor, de acordo com uma visão bastante objectivista.

Contudo, para o Professor Vasco Pereira da Silva, uma noção adequada do objecto do processo deve proceder a uma ligação do pedido e da causa de pedir, considerando-os como dois aspectos do direito substantivo invocado e essa visão do objecto do processo não abarca a integralidade do mesmo.
Deste modo o Professor, seguindo uma concepção ampla do objecto, considera que aqui, pelo contrário parece existir uma sobreposição do pedido mediato sobre o imediato, sendo ainda abrangida a causa de pedir, e demonstra a sua posição afirmando que a condenação na prática do acto devido, isto é, o pedido imediato, decorre do direito subjectivo do particular lesado, que é o pedido mediato, sendo esta lesão por uma das duas modalidades possíveis a causa de pedir.
Concluindo, o objecto do processo será esse direito individual do particular no quadro da relação jurídica administrativa em questão e não o acto administrativo em si.

Os pressupostos processuais específicos, para que a acção de condenação possa proceder, podem-se dividir em três grandes aspectos[2]:
. Existência de uma omissão pela Administração ou a recusa de um acto, conforme o exposto no artigo 66º/1 do CPTA;

. Legitimidade para pedir a condenação, nos termos do artigo 68º do CPTA;

. A questão da oportunidade do pedido, isto é, o respeito pelos prazos, segundo o artigo 69º do CPTA;

Relativamente ao primeiro pressuposto, tendo em consideração o explanado no artigo 67º do CPTA, são três as situações enumeradas que possibilitam o pedido de condenação, nomeadamente:
    - A inexistência de uma decisão oportuna, tendo sido apresentado requerimento que constitua o órgão na obrigação de decidir;
 
   - A recusa da prática do acto devido, ou seja, na opinião de Vieira de Andrade, indeferimento expresso da pretensão substantiva;

   - A recusa de apreciação do requerimento, ou seja, aquelas situações em que a administração se nega a apreciar substancialmente o pedido, podendo esta negação fundar-se, por exemplo, em razões formais ou mesmo competenciais.

O Professor Vasco Pereira da Silva reconduz estas três hipóteses a duas, concretamente: a existência de uma omissão por parte da administração, que corresponde à alínea a), ou a existência de um acto de conteúdo negativo, que abarca tanto a alínea b) como a c).

No que toca à legitimidade das partes, conforme resulta do artigo 68º/1 do CPTA, a mesma é atribuída a quatro entidades, a saber, os sujeitos privados (alínea a)); sujeitos públicos (alínea b)); Ministério Público (alínea c)); e actor popular (alínea d)).

Neste âmbito, refere Vieira de Andrade[3], ainda a propósito das situações previstas no artigo 67º do CPTA, que embora estas indiciem que o pedido terá um alcance subjectivista, sendo destinado à satisfação de direitos ou interesses legalmente protegidos do autor, verifica-se que a legitimidade é alargada à acção colectiva, popular e mesmo acção pública, como é prova disso o disposto no artigo 68º/1 CPTA.

Já o Professor Vasco Pereira da Silva destaca igualmente esta nuance, afirmando que o legislador “introduziu uma componente objectivista num instituto de cunho acentuadamente subjectivista” nomeadamente quando possibilitou a intervenção do Ministério Público.
Contudo, o mesmo dá conta da necessidade sentida de introduzir aqui limites de actuação, expostos na alínea c) do artigo 68º/1 CPTA, criticando a remissão para o artigo 9º/2 CPTA e alertando para a necessidade de se fazer uma interpretação correctiva deste preceito ao ponto de considerar necessária a intervenção do Ministério Público apenas estando em causa interesses públicos de tal forma relevantes que permitam e justifiquem a utilização por esta entidade de mecanismos destinados à protecção de direitos subjectivos, bem como apenas quando tenha sido emitido um acto administrativo de conteúdo negativo e não quando se esteja perante uma omissão da administração.
Refere ainda o mesmo Professor que o mesmo valerá para o actor público sob pena de se formar um contra-senso com a argumentação anterior[4].

Por fim, quanto ao último pressuposto processual, estabelece o artigo 69º CPTA o prazo de um ano para a acção de condenação caso se esteja perante uma situação de omissão da administração.
Por sua vez, o prazo será de seis meses se se tratar de um acto de conteúdo negativo, tendo em conta o referido aquando da argumentação relativa ao primeiro pressuposto.

Importa em jeito de conclusão salientar que este direito dos particulares de utilizar a acção administrativa especial para obter a condenação da administração à prática de um acto devido, é aliás constitucionalmente garantida pelo disposto no artigo 268º/4 da Constituição que garante aos administrados “a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos”.


[1] Vasco Pereira da Silva; O CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO NO DIVÃ DA PSICANÁLISE; 2ª Edição, 2009, pág. 378.

[2] Vasco Pereira da Silva; O CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO NO DIVÃ DA PSICANÁLISE; 2ª Edição, 2009, Pág. 396 e segs.

[3] Vieira de Andrade; A JUSTIÇA ADMINISTRATIVA; 10ª Edição, 2009; Pág. 234

[4] Vasco Pereira da Silva; O CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO NO DIVÃ DA PSICANÁLISE; 2ª Edição, 2009, Pág. 404 e segs.

Filipe Santos, aluno nº 18132