quarta-feira, 23 de maio de 2012


O Compromisso Dilatório
A Constituição consagra em si os valores vigentes numa sociedade. Incumbe ao Estado não apenas respeita-la, mas também garantir a sua efectivação. Com o afastamento da concepção liberal do Estado de Direito, e a descoberta da necessidade de uma faceta presatacional, a tradicional concepção de não intromissão na esfera dos particulares deixou de ser válida. Nomeadamente com o surgimento dos direitos sociais, que são direitos positivos - direitos a prestações ou actividades do Estado. E aqui entra a Administração Pública que desenvolve estes direitos assim afirma professor Vasco Pereira da Silva existir uma dupla dependência do Direito Administrativo em relação ao Direito Constitucional e do Direito Constitucional face ao Direito Administrativo - O direito administrativo analisa os valores constitucionais efectivando-os, por outro lado a realização destes valores é essencial para a própria logica constitucional, sob a pena de se cair no conceito de uma Constituição puramente formal, sem nenhum reflexo na realidade.
A parte I da CRP, dedicada aos direitos liberdades e garantias é uma das mais extensas e densas da CRP. Para além do Direito ao ambiente, à genética surgem direitos novos em termos procedimentais. É aquele que incide directamente sobre a posição das pessoas, e é aquela que conforme a ordem jurídica infraconstitucional. Considera-se que esta juntamente com a organização económica contribui, para a definição do tipo Constitucional de sociedade. Está nela consagrado um catalogo de Direitos Fundamentais que abrange as suas sucessivas sedimentações ou gerações de direitos – os tradicionais Direitos, Liberdades e Garantias, conquista das revoluções liberais, os direitos de participação politica, emergentes da superação politica do Estado liberal; os direitos positivos de natureza económica e social, e os chamados direitos de 4ª geração - o Direito ao Acesso à Justiça, tal como o Direito à Audiência, Direito da Participação, são direitos fundamentais, Direitos ao Ambiente e à qualidade da vida.  
O direito de acesso à justiça administrativa, concebido como Direito Fundamental insere-se no quadro da constitucionalização do processo administrativo e contribui para tornar mais efectiva a ligação entre CRP e Processo. Por outro lado, a própria ideia da CRP que se aplica directamente1 evidencia esta dupla dependência entre o preceito Constitucional e o direito administrativo.
Segundo professor Vasco Pereira da Silva a constituição de 1976 é uma constituição compromissória - “O compromisso entre o velho e o novo”. É uma constituição que acumula várias realidades compromissórias - aquilo que o Carl Schmitt chamou “compromisso dilatório” (com esta sua teoria Carl Schimtt tem um objectivo muito claro – criticar a Constituição de Weimar. Schmitt afirma que a Constituição de Weimar, embora contivesse decisões politicas fundamentais sobre a forma de existência politica concreta do povo alemão, possuía no seu texto inúmeros compromissos e obscuridades que não representavam decisão alguma, pelo contrario a sua decisão tinha sido adiada – denominados “compromissos dilatórios, frutos de disputas partidárias que adiaram a decisão sobre certas temas. Nestes dispositivos a única vontade é a de não ter, provisoriamente, nenhuma vontade naquele assunto. Os compromissos dilatórios seriam particularmente perceptíveis entre os DF, cuja garantia seria…). Assim definido o compromisso dilatório professor Vasco Pereira da Silva transporta-o para o Direito Português, e porquê? A Constituição de 1976 acumulava princípios contraditórios (p.e. é uma constituição mais “demorada” de ponto de ponto de vista económico – consagrava a liberdade económica, mais também era de certo modo política, porque fazia-se um apelo à convenção colectiva). Olhando para trás foi exactamente isso que aconteceu: todas as revisões constitucionais foram também alteração do conteúdo material, mudança do tal “pacto” (a própria concepção do professor Jorge Miranda da evolução Constitucional, evolução constitucional no sentido de ruptura material da fase do compromisso).
Com as sucessivas revisões constitucionais, mas também pela prática jurisprudencial esta logica de compromisso vai ser alterada.
Manifestações do modelo do compromisso no Contencioso Administrativo:

A CRP de 76 marcou a ruptura com a realidade constitucional portuguesa ao nível da justiça administrativa, estabelece-se a jurisdicionalização plena e integral do Contencioso Administrativo, 202.º, e a consagração da tutela plena das relações entre particulares e Administração, n.ºs 4 e 5 do 268.º Verifica-se um duplo compromisso, quer ao nível da Justiça Administrativa, assegurando um direito efectivo de recurso aos tribunais, quer ao nível da noção de acto administrativo. Ao nível da Justiça Administrativa institui-se um novo modelo jurisdicionalizado, visando a tutela dos direitos dos particulares, manifestado pela qualificação dos tribunais administrativos como verdadeiros tribunais e o seu acesso passa a ser considerado um direito fundamental.
É a CRP de 76 introduziu os Tribunais Administrativos se continuassem a existir integravam-se no poder jurisdicional, tornaram-se em verdadeiros órgão do poder judicial. Por outro lado consagra um Direito Fundamental de Acesso à Justiça Administrativa. Ela marca o início de um CA virado para a tutela dos particulares. O direito de acesso à justiça é consagrado em 76 como direito ao acesso ao recurso contencioso de anulação. Era reconduzido ao único instrumento restritivo de controlo da administração (serve para controlar actos administrativos e ainda serve para anular as decisões administrativas. Mas a questão vai mais longe – abrange os actos administrativos executórios, mantendo-se do regime anterior a necessidade de o acto ser definitivo e executório, para ser recorrível.
Este 1º período de 76 a 82 (com a 1ª revisão constitucional) – há alterações mínimas correspondentes a esta logica constitucional. A única legislação que vai sair neste período é um diploma, que corresponde ao mínimo ético (decorrente da constituição), mas que nas palavras do professor Vasco Pereira da Silva corresponde a logica de “cirurgia de urgência” ou seja, é algo provisório, que ficará a espera da reforma para concretizar melhor a constituição (era o mínimo que depois tinha que ser desenvolvido). Surgiram outros diplomas transitórios para resolver problemas no imediato, sempre a espera da grande reforma. DL 256-A/77 - vem regulamentar os regimes de fundamentação dos actos administrativos, das omissões e sua impugnação contenciosa, e da execução das sentenças dos Tribunais administrativos. Estabelecia um direito de defesa – o dever de fundamentação (fundamental para controlar a administração). Esta medida não era só contenciosa, mas teve consequências contenciosas. Houve duas outras medidas importantes:
1º Relativamente à impugnação do chamado acto tácito indeferimento (ainda não foi a altura em que se acabou com esta presunção de acto administrativo, mas que não realidade não existia nada, pois a administração não tinha feito nada, no entanto fingia-se que a administração tinha praticado um acto administrativo, acto este que podia ser impugnado e defendia-se: não fazer nada é um acto voluntário! Na verdade, refere professor Vasco Pereira da Silva e bem, trata-se da a anulação de um acto fingido!
2º A consagração de um dever de execução. Até aí a execução de sentenças tinha sido uma graça da administração. Se não as executasse não lhe acontecia nada. O DL 350/57 estabeleceu o 1º sistema de execução de sentença, criando a obrigação da sua execução e a responsabilidade civil disciplinar do titular do cargo que não cumprira esta decisão, ou seja, criando mecanismos que conduziam a efectiva execução das sentenças. De certo modo remeteu para o Processo Civil.
O resto da realidade administrativa manteve-se.
Em 82 – a Constituição alterou o compromisso originário - estabeleceu-se que este direito ao acesso à justiça administrativa, que afirmou ser concebido como direito ao recurso e incidindo apenas em actos executório. Duas coisas apontam para o alargamento do âmbito de um novo contencioso administrativo. I) No art. 268/3 – o CA servia para impugnar actos administrativos executórios, assim servia para proteger Direitos normativamente protegidos – direitos dos particulares (foi acrescido na norma que previa o recurso de anulação a norma que prevê protecção de DLG dos particulares e por outro lado o acto administrativo que era antes definitivo e executório, passava a ser também material – acto administrativo independentemente da sua forma (que demonstra alguma abertura do Contencioso Administrativo).
Com a jurisdicionalização do recurso de anulação, o processo, torna-se pela 1ª vez um processo de partes, igualdade formal entre a administração e os particulares. Até ai o particular apresentava o pedido e a administração não era obrigada a contestar. A partir de agora há um processo de partes no recurso de anulação.
A variedade de diplomas aplicáveis não só dificultava o trabalho dos juristas como também impediu que houvesse uma verdadeira reforma do Contencioso Administrativo.
Até que há uma nova revisão Constitucional e uma alteração do paradigma Constitucional. Em 89 – autonomiza-se a justiça administrativa – aquilo até ai era uma faculdade, passa a ser uma opção Constitucional – o legislador cria os Tribunais Administrativos e Fiscais como uma espécie de Tribunais. Por outro lado as relações jurídicas entre o particular e a administração - há uma relação jurídica, há uma igualdade igual que deve reconduzir a igualdade processual. A logica do Contencioso Administrativo vai se alterar. Mas também a própria ideia do acesso à acção administrativa vai ser recuperado – mantem-se o direito o acesso dos actos administrativos, embora aqui já um direito a integração que incide sobre actos susceptíveis de lesar direitos dos particulares (é a versão mais subjectiva do Contencioso Administrativo) – é um contencioso feito de forma a proteger os interesses dos particulares.
E isso é o Caminho para uma nova justiça.
Em face da reforma do Contencioso Administrativo de 2004, podemos considerar que, finalmente a legislação ordinária respeita o texto fundamental, no que diz respeito à realização do princípio da protecção plena e efectiva dos direitos dos particulares através dos meios processuais principais, cautelares e executivos.
Não nos podemos esquecer que o Contencioso Administrativo é feito para resolver os problemas concertos de uma sociedade numa determinada época histórica, com as sucessivas crises financeiras, o Contencioso Administrativo tem demonstrado uma certa rigidez, mas enfim quando as próprias opções politicas não respeitam a Constituição, poderá  isso ser  exigido a um Contencioso Administrativo?

1.                  Teoria da eficácia directa – art. 18 CRP consagra a eficácia das normas consagradoras de Direitos, Liberdades e Garantias (doravante DLG). Resta saber de que forma é que se concebe esta eficácia? Segundo a tese da aplicação directa, as normas consagradoras de DLG aplicam-se directamente no comércio jurídico entre privados. Teoria que se opõe a teoria da eficácia indirecta, segundo a qual a vinculatividade destas exercer-se-ia prima facie sobre o legislador, que seria obrigado a conformar as referidas relações obedecendo aos princípios mátrias consagrados na CRP

Bibliografia:
O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, Ensaio sobre as Acções no Novo Processo Administrativo (2ª Edição) – VASCO PEREIRA DA SILVA,
Constituição da República Portuguesa - Anotada - Volume I - Artigos 1º a 107º
VITAL MOREIRA, GOMES CANOTILHO

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