Análise à convolação do artigo 121.º CPTA. Fundamento e Requisitos.
Introdução e fundamentos
Imagine-se que A, no âmbito da
sua candidatura de admissão a um Curso Especial que apenas abriu uma vaga de
entrada e que apenas tem meios e orçamento para um aluno, vê negado,
ilegalmente, a atribuição do 1º lugar sendo-lhe sim atribuído o 10º lugar. A,
vendo os dias de início de semestre a chegar, requer uma providência cautelar
antecipatória no sentido de ser dado como aluno admitido no curso. No âmbito do
processo, o Juiz apercebe-se que um mero despacho de admissão do requerimento,
irá atribuir a mais uma pessoa o direito a frequentar o curso quando este só
tem capacidade para leccionar a uma apenas. Será que o Juiz apenas poderá
realizar despacho de admissão do requerimento permitindo que A, juntamente com
o outro aluno que ficou em 1ºlugar, frequente um Curso mal leccionado (por
falta de meios e orçamento para dois alunos) tendo de esperar pela decisão da
causa principal para ser o único a frequentar o Curso? Imagine-se inclusive que
o Curso só seria leccionado uma vez em Portugal devido à sua especialidade.
Ora é para casos como estes que
surge o artigo 121.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativo (CPTA).
Tal artigo consagra o mecanismo da Convolação da Tutela Cautelar em Tutela Final Urgente:
o Juiz, aquando de um processo cautelar, estando verificados determinados
pressupostos, pode antecipar o juízo que seria feito em processo principal para
a causa cautelar. Isto é, está em curso uma Tutela Cautelar mas o entendimento
final poderá ser o de haver pronúncia Tutelar Urgente Definitiva; o Juiz poderá
ver que nem uma providência cautelar em âmbito de procedimento cautelar serve,
tendo que utilizar antes uma arma ainda mais poderosa que é a de dar uma
decisão definitiva em âmbito de procedimento cautelar. Sim, em âmbito também de
procedimento cautelar pois tal mecanismo de convolação diz respeito apenas
quanto à tutela a tomar e não quanto ao processo propriamente dito continuando
este a ser meramente cautelar e com todas as características dos processos
cautelares e não um procedimento principal ou algo similar.
Este art. surge em paralelismo
aos processos urgentes autónomos que o código dispõe para fazer face a
situações que requerem uma resolução judicial definitiva célere. São estes: o
contencioso eleitoral; o contencioso pré-contratual; a intimação para a
prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões e;
intimação para protecção de Direitos, Liberdade e Garantias. Isto é, há quatro
tipos de processos urgentes principais, nominados e taxativos no código. Mas,
ao lado destes, surgindo como válvula de escape e mecanismo residual, está o
art. 121.º que, com a mesma finalidade de conceder uma solução de mérito de
carácter urgente a casos que, pela sua natureza, requerem uma tal solução, se
distingue daqueles por não ser um processo principal – definitivo e autónomo –
mas sim cautelar – provisório e instrumental – e por ter a natureza da válvula
de escape/abertura do sistema e não uma natureza fechada e taxativa, já não se
falando obviamente dos requisitos diferentes. Serve para os mesmos fins mas tem
mecanismo, natureza e requisitos diferentes – daí ser paralelo e não mais um
entre os outros.
Com mecanismo de convolação como
o do art.121.º surge o art.132.º/7. Estes diferenciam-se quanto aos pressupostos
e fundamentos: o primeiro tem a animá-lo a Tutela Jurisdicional Efectiva
enquanto o segundo tem o Princípio da Economia Processual.
Ora é pegando nesta diferenciação que se passa
para a análise dos fundamentos do art.121.º. Primeiro há a perceber que este
surge no âmbito de reforma de 2002 e que onde esta se fez sentir mais foi,
precisamente, no plano da Tutela Cautelar. Quais os objectivos desta reforma?
Dar cumprimento ao direito fundamental a uma tutela jurisdicional efectiva. Cá
está: o primeiro fundamento do art.121.º é precisamente este que acabei de
enunciar: tutela jurisdicional efectiva dos titulares de direitos ou interesses
legalmente protegidos tendo em vista assegurar o direito ao processo efectivo e
temporalmente justo: art.20.º/4 e 5 CRP, art.268.º/4 e 5 e art.2.º CPTA. É
facilmente descortinado do art. Basta atentar à redacção do 121.º/1, perceber
que se exige uma tal urgência na resolução de um caso que permita concluir que
uma simples procedimento cautelar não servirá e concluir que estamos perante
situações em que o único meio eficaz para uma tutela efectiva do direito ou
interesse legalmente protegido em causa será a antecipação do juízo do mérito
da questão. Repare-se que o que o direito fundamental em causa consagra é, em
suma, “reconhecer um núcleo de protecção subjectiva pública presente na norma”
(Tutela) ao nível de um órgão jurisdicional (tribunal) que disponha de “normas
processuais adequadas que garantam poderes de pronúncia, execução das decisões,
acautelem o respectivo efeito útil e que não contemplem entraves injustificados
à concretização ou restabelecimento do direito em prazo razoável, de acordo com
uma decisão fundada no direito correspondente ao resultado de um pleito justo
com igualdade de oportunidades das partes” (jurisdicional e efectiva). Há
também quem aponte, como Dora Lucas Neto, o princípio da economia processual
como fundamento, já que o 121.º está também para situações em que a “a
simplicidade da questão a decidir pode aconselhar e facilitar a decisão de antecipação
da decisão da questão de fundo”. Já Marlene Sennewald, a meu ver bem, demonstra
que este fundamento está ligado à decorrência de o 121.º exigir que estejam
todos os elementos necessários para decidir a questão de mérito mas tão só a
este e não aos restantes requisitos. Portanto, poderá haver situações em que há
“todos os elementos necessários” e portanto já há o princípio da economia
processual a pedir que se aplique o artigo mas se os restantes requisitos não
estiverem preenchidos este não se aplicará. Assim este fundamento apenas pode
ser invocado, diz-nos Marlene Sennewald, “na medida em que o mesmo serve a
própria tutela jurisdicional efectiva”.
Requisitos
A- Urgência
na Resolução
B- Não
Compadecimento
C- Elementos
Necessários
D- Audição
E- Juízo
de Prognose Favorável (?)
A – O primeiro dos requisitos é:
“manifesta urgência na resolução definitiva do caso, atendendo à natureza das
questões e à gravidade dos interesses envolvidos”. Para Marlene Sennewald a
natureza das questões exige que, haja uma situação na qual, após certo limite
temporal, o exercício do direito e o despacho de qualquer tutela cautelar já
não produzirá efeito útil e que a situação é de tal forma que a admissão de uma
tutela cautelar irá ter efeitos irreversíveis. Sendo que para esta Autora, a
gravidade dos interesses envolvidos, não são direitos, liberdades e garantias
por já estarem protegidos pelos art.109.º e 110.º mas sim outros, também
importantes. A Autora aponta os do art.9.º/2 in fine CPTA.
Já Dora Neto, depois de referir
que só caso a caso é que se poderá aferir, não deixa de objectivar este
requisito, referindo que no caso de procedimento concursal o temos verificado,
por identidade de razão com o art.132.º/7 já que estamos de facto perante uma
situação em que a realidade anda de tal forma que face à duração provável da
acção principal, será do interesse do requerente ter a sua situação resolvida
assim como será do interesse do requerido e dos contra- -interessados não lhes ser vista criadas
expectativas. Também o teremos verificado, em princípio, se estiver em causa a
situação profissional ou pessoal das partes.
Tendo a concordar com as duas
posições, querendo referir que não me parece certo que se deva cingir os
interesses envolvidos aos do art.9.º/2 in fine. Repare-se que como disse acima
o art.109 e 110 acabam por ser diferentes do 121.º e portanto poderá fazer
sentido aplicar o 121.º a um direito, liberdade e garantia. Referir também que
me parece sistematicamente harmonioso, concretizar o requisito da natureza da
questão em situações de efeitos irreversíveis, já que como Vieira de Andrade
elucida, deve-se entender proibidas as providências cautelares que levem a um
efeito que já não possa ser anulado ou revertido pelo Juiz na decisão
principal.
B – O segundo requisito é, tendo
em conta o anterior: “concluir que a situação não se compadece com a adopção de
uma simples providência cautelar”.
Segundo Dora Neto, tal requisito
significa apenas que a Tutela Cautelar é insuficiente e não impossível para
resolver a situação em
jogo. Significa isto que poderão existir situações em que não
está em perigo o exercício em tempo útil de um direito liberdade e garantia por
exemplo, o que autorizaria a aplicação do art.109.º, mas será preciso, ainda
assim, urgentemente, uma decisão de fundo, já que a tutela cautelar será
insuficiente. Conclusão, as situações de impossibilidade de tutela cautelar
devido à sua irreversibilidade e de insuficiência devido a precisarem logo de
decisão de fundo e não de tutela cautelar, determinam a verificação do não
compadecimento.
Tendo a concordar com a Autora
pois quer-se uma tutela efectiva e portanto a insuficiência ainda poderá
integrar este requisito. Contudo não se poderá nunca esquecer que este
art.121.º deve ser visto como uma excepcionalidade e portanto não se deverá
cair na tentação de preencher este requisito quando logo se vislumbre uma
suficiência fraca da Tutela Cautelar sob pena de se perverter o fundamento
deste artigo.
C – O terceiro requisito consta
da seguinte passagem: “tenham sido trazidos ao processo todos os elementos
necessários para o efeito (de convolação)”.
Antes de concretizar este
requisito, deve-se esclarecer que a convolação poderá surgir, quer já haja um
processo principal pendente do qual é acessório o procedimento cautelar quer
não haja. Se já houver, a convolação levará à inutilidade superveniente da
acção principal se não houver, levará a que o caso fique julgado sem ser
necessário acção principal. Repare-se que as fases da convolação se resumem à
audição das partes e à emissão de um juízo sobre a causa principal, não havendo
lugar a qualquer tramitação do processo principal.
Concretizando agora o requisito e
percebendo de antemão que esta convolação não pode significar uma diminuição
muito forte das garantias de defesa, dir-se-á que elementos necessários são os
que garantem estarem assentes os factos essenciais, inexistência de matéria de
facto controvertida relevante no processo cautelar e desnecessidade de
realização de quaisquer outras diligências de prova.
D – A audição decorre do
seguinte: “ouvidas as partes”
Significa que o Juiz “deve ouvir
as eventuais objecções que as partes formulem acerca da verificação dos
requisitos”.
E – Quanto ao discutido último
requisito deve-se começar por dizer que este não consta expressamente do
artigo. Este significa o seguinte: só haverá convolação se, por parte do juiz,
houver um juízo de prognose favorável quanto à viabilidade da pretensão
jurídica em causa.
Dora Neto concorda com este
requisito, tendo em conta o princípio da tutela jurisdicional efectiva: tendo
em conta que o poder de antecipar a decisão de mérito logo no processo cautelar
serve para ir de encontro com o que favorece a parte interessada, então só se
deverá proceder a tal antecipação quando, através de um juízo de prognose se
perceba que mais a jusante o sentido da decisão também seria favorável. É que
ao não haver este requisito e havendo uma decisão de mérito desfavorável, o
interessado teria sido prejudicado pelo encurtamento dos prazos de que dispunha
para fundamentar a sua pretensão jurídica e para exercer o contraditório.
Há Autores que defendem que este
requisito não existe, devido ao silêncio da lei.
Para Marlene Sennewald, o
fundamento da Tutela Jurisdicional Efectiva apenas “visa garantir a todos uma
resolução judicial da sua questão jurídica em tempo útil e através de meios
justos, não garantindo, no entanto que a resolução seja favorável ao
interessado” logo insere-se na opinião doutrinal de que este requisito não
existe.
Tendo a concordar com a posição
de Dora Neto: quando o artigo exige que estejam à disposição todos os elementos
necessários, implicitamente, diz-nos que têm que estar à disposição todos os
elementos fácticos e de direito que nos permitam chegar à conclusão que a
jusante haveria uma decisão favorável. A não haver, numa análise de prognose,
dever-se-á não convolar sob pena de se perverter completamente o fim do artigo.
Basta imaginar no que será realizar a antecipação de uma decisão principal
porque a urgência do caso, a irreversibilidade de uma mera providência cautelar
e os restantes requisitos assim determinavam e depois correr uma acção
principal em que afinal se vem dizer: bom, parece que a decisão deve ser X em
vez de Y como foi decidido em convolação. Não obstante já se regista uma certa
irreversibilidade na situação porque se realizou a convolação em sentido
favorável…de propósito para evitar irreversibilidades. Ou seja, acabaria por
prevalecer, na prática, o mecanismo sumário do art.121.º sobre um juízo com
toda a segurança de um procedimento principal.
Nota final para afirmar que este
artigo pode ser promovido de forma oficiosa ou por ter sido suscitado pelas
partes. Mas no caso de a iniciativa ser da parte, a pronúncia do tribunal no
sentido de não conceder convolação não é passível de recurso já que o artigo
121.º a contrario nos demonstra isto.
Bibliografia
Andradre, Vieira, "A Justiça Administrativa"
Neto, Dora Lucas, "Notas sobre a antecipação do juízo sobre a causa
principal", em, "Revista de Direito Público e Regulação" nº1
Sennewald, Marlene, "O instituto da convolaçao da tutela cautelar em
tutela final urgente consagrado no artigo 121.º do CPTA", em, "Revista
de Direito Público e Regulação" nº5
João Gaspar
nº18200