quarta-feira, 4 de abril de 2012


Análise à convolação do artigo 121.º CPTA. Fundamento e Requisitos.

 

Introdução e fundamentos


Imagine-se que A, no âmbito da sua candidatura de admissão a um Curso Especial que apenas abriu uma vaga de entrada e que apenas tem meios e orçamento para um aluno, vê negado, ilegalmente, a atribuição do 1º lugar sendo-lhe sim atribuído o 10º lugar. A, vendo os dias de início de semestre a chegar, requer uma providência cautelar antecipatória no sentido de ser dado como aluno admitido no curso. No âmbito do processo, o Juiz apercebe-se que um mero despacho de admissão do requerimento, irá atribuir a mais uma pessoa o direito a frequentar o curso quando este só tem capacidade para leccionar a uma apenas. Será que o Juiz apenas poderá realizar despacho de admissão do requerimento permitindo que A, juntamente com o outro aluno que ficou em 1ºlugar, frequente um Curso mal leccionado (por falta de meios e orçamento para dois alunos) tendo de esperar pela decisão da causa principal para ser o único a frequentar o Curso? Imagine-se inclusive que o Curso só seria leccionado uma vez em Portugal devido à sua especialidade.
Ora é para casos como estes que surge o artigo 121.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativo (CPTA). Tal artigo consagra o mecanismo da Convolação da Tutela Cautelar em Tutela Final Urgente: o Juiz, aquando de um processo cautelar, estando verificados determinados pressupostos, pode antecipar o juízo que seria feito em processo principal para a causa cautelar. Isto é, está em curso uma Tutela Cautelar mas o entendimento final poderá ser o de haver pronúncia Tutelar Urgente Definitiva; o Juiz poderá ver que nem uma providência cautelar em âmbito de procedimento cautelar serve, tendo que utilizar antes uma arma ainda mais poderosa que é a de dar uma decisão definitiva em âmbito de procedimento cautelar. Sim, em âmbito também de procedimento cautelar pois tal mecanismo de convolação diz respeito apenas quanto à tutela a tomar e não quanto ao processo propriamente dito continuando este a ser meramente cautelar e com todas as características dos processos cautelares e não um procedimento principal ou algo similar.
Este art. surge em paralelismo aos processos urgentes autónomos que o código dispõe para fazer face a situações que requerem uma resolução judicial definitiva célere. São estes: o contencioso eleitoral; o contencioso pré-contratual; a intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões e; intimação para protecção de Direitos, Liberdade e Garantias. Isto é, há quatro tipos de processos urgentes principais, nominados e taxativos no código. Mas, ao lado destes, surgindo como válvula de escape e mecanismo residual, está o art. 121.º que, com a mesma finalidade de conceder uma solução de mérito de carácter urgente a casos que, pela sua natureza, requerem uma tal solução, se distingue daqueles por não ser um processo principal – definitivo e autónomo – mas sim cautelar – provisório e instrumental – e por ter a natureza da válvula de escape/abertura do sistema e não uma natureza fechada e taxativa, já não se falando obviamente dos requisitos diferentes. Serve para os mesmos fins mas tem mecanismo, natureza e requisitos diferentes – daí ser paralelo e não mais um entre os outros.
Com mecanismo de convolação como o do art.121.º surge o art.132.º/7. Estes diferenciam-se quanto aos pressupostos e fundamentos: o primeiro tem a animá-lo a Tutela Jurisdicional Efectiva enquanto o segundo tem o Princípio da Economia Processual.
 Ora é pegando nesta diferenciação que se passa para a análise dos fundamentos do art.121.º. Primeiro há a perceber que este surge no âmbito de reforma de 2002 e que onde esta se fez sentir mais foi, precisamente, no plano da Tutela Cautelar. Quais os objectivos desta reforma? Dar cumprimento ao direito fundamental a uma tutela jurisdicional efectiva. Cá está: o primeiro fundamento do art.121.º é precisamente este que acabei de enunciar: tutela jurisdicional efectiva dos titulares de direitos ou interesses legalmente protegidos tendo em vista assegurar o direito ao processo efectivo e temporalmente justo: art.20.º/4 e 5 CRP, art.268.º/4 e 5 e art.2.º CPTA. É facilmente descortinado do art. Basta atentar à redacção do 121.º/1, perceber que se exige uma tal urgência na resolução de um caso que permita concluir que uma simples procedimento cautelar não servirá e concluir que estamos perante situações em que o único meio eficaz para uma tutela efectiva do direito ou interesse legalmente protegido em causa será a antecipação do juízo do mérito da questão. Repare-se que o que o direito fundamental em causa consagra é, em suma, “reconhecer um núcleo de protecção subjectiva pública presente na norma” (Tutela) ao nível de um órgão jurisdicional (tribunal) que disponha de “normas processuais adequadas que garantam poderes de pronúncia, execução das decisões, acautelem o respectivo efeito útil e que não contemplem entraves injustificados à concretização ou restabelecimento do direito em prazo razoável, de acordo com uma decisão fundada no direito correspondente ao resultado de um pleito justo com igualdade de oportunidades das partes” (jurisdicional e efectiva). Há também quem aponte, como Dora Lucas Neto, o princípio da economia processual como fundamento, já que o 121.º está também para situações em que a “a simplicidade da questão a decidir pode aconselhar e facilitar a decisão de antecipação da decisão da questão de fundo”. Já Marlene Sennewald, a meu ver bem, demonstra que este fundamento está ligado à decorrência de o 121.º exigir que estejam todos os elementos necessários para decidir a questão de mérito mas tão só a este e não aos restantes requisitos. Portanto, poderá haver situações em que há “todos os elementos necessários” e portanto já há o princípio da economia processual a pedir que se aplique o artigo mas se os restantes requisitos não estiverem preenchidos este não se aplicará. Assim este fundamento apenas pode ser invocado, diz-nos Marlene Sennewald, “na medida em que o mesmo serve a própria tutela jurisdicional efectiva”.

Requisitos


A-    Urgência na Resolução
B-    Não Compadecimento
C-    Elementos Necessários
D-    Audição
E-     Juízo de Prognose Favorável (?)


A – O primeiro dos requisitos é: “manifesta urgência na resolução definitiva do caso, atendendo à natureza das questões e à gravidade dos interesses envolvidos”. Para Marlene Sennewald a natureza das questões exige que, haja uma situação na qual, após certo limite temporal, o exercício do direito e o despacho de qualquer tutela cautelar já não produzirá efeito útil e que a situação é de tal forma que a admissão de uma tutela cautelar irá ter efeitos irreversíveis. Sendo que para esta Autora, a gravidade dos interesses envolvidos, não são direitos, liberdades e garantias por já estarem protegidos pelos art.109.º e 110.º mas sim outros, também importantes. A Autora aponta os do art.9.º/2 in fine CPTA.
Já Dora Neto, depois de referir que só caso a caso é que se poderá aferir, não deixa de objectivar este requisito, referindo que no caso de procedimento concursal o temos verificado, por identidade de razão com o art.132.º/7 já que estamos de facto perante uma situação em que a realidade anda de tal forma que face à duração provável da acção principal, será do interesse do requerente ter a sua situação resolvida assim como será do interesse do requerido e dos contra-    -interessados não lhes ser vista criadas expectativas. Também o teremos verificado, em princípio, se estiver em causa a situação profissional ou pessoal das partes.
Tendo a concordar com as duas posições, querendo referir que não me parece certo que se deva cingir os interesses envolvidos aos do art.9.º/2 in fine. Repare-se que como disse acima o art.109 e 110 acabam por ser diferentes do 121.º e portanto poderá fazer sentido aplicar o 121.º a um direito, liberdade e garantia. Referir também que me parece sistematicamente harmonioso, concretizar o requisito da natureza da questão em situações de efeitos irreversíveis, já que como Vieira de Andrade elucida, deve-se entender proibidas as providências cautelares que levem a um efeito que já não possa ser anulado ou revertido pelo Juiz na decisão principal.

B – O segundo requisito é, tendo em conta o anterior: “concluir que a situação não se compadece com a adopção de uma simples providência cautelar”.
Segundo Dora Neto, tal requisito significa apenas que a Tutela Cautelar é insuficiente e não impossível para resolver a situação em jogo. Significa isto que poderão existir situações em que não está em perigo o exercício em tempo útil de um direito liberdade e garantia por exemplo, o que autorizaria a aplicação do art.109.º, mas será preciso, ainda assim, urgentemente, uma decisão de fundo, já que a tutela cautelar será insuficiente. Conclusão, as situações de impossibilidade de tutela cautelar devido à sua irreversibilidade e de insuficiência devido a precisarem logo de decisão de fundo e não de tutela cautelar, determinam a verificação do não compadecimento.
Tendo a concordar com a Autora pois quer-se uma tutela efectiva e portanto a insuficiência ainda poderá integrar este requisito. Contudo não se poderá nunca esquecer que este art.121.º deve ser visto como uma excepcionalidade e portanto não se deverá cair na tentação de preencher este requisito quando logo se vislumbre uma suficiência fraca da Tutela Cautelar sob pena de se perverter o fundamento deste artigo.

C – O terceiro requisito consta da seguinte passagem: “tenham sido trazidos ao processo todos os elementos necessários para o efeito (de convolação)”.
Antes de concretizar este requisito, deve-se esclarecer que a convolação poderá surgir, quer já haja um processo principal pendente do qual é acessório o procedimento cautelar quer não haja. Se já houver, a convolação levará à inutilidade superveniente da acção principal se não houver, levará a que o caso fique julgado sem ser necessário acção principal. Repare-se que as fases da convolação se resumem à audição das partes e à emissão de um juízo sobre a causa principal, não havendo lugar a qualquer tramitação do processo principal.
Concretizando agora o requisito e percebendo de antemão que esta convolação não pode significar uma diminuição muito forte das garantias de defesa, dir-se-á que elementos necessários são os que garantem estarem assentes os factos essenciais, inexistência de matéria de facto controvertida relevante no processo cautelar e desnecessidade de realização de quaisquer outras diligências de prova.

D – A audição decorre do seguinte: “ouvidas as partes”
Significa que o Juiz “deve ouvir as eventuais objecções que as partes formulem acerca da verificação dos requisitos”.

E – Quanto ao discutido último requisito deve-se começar por dizer que este não consta expressamente do artigo. Este significa o seguinte: só haverá convolação se, por parte do juiz, houver um juízo de prognose favorável quanto à viabilidade da pretensão jurídica em causa.
Dora Neto concorda com este requisito, tendo em conta o princípio da tutela jurisdicional efectiva: tendo em conta que o poder de antecipar a decisão de mérito logo no processo cautelar serve para ir de encontro com o que favorece a parte interessada, então só se deverá proceder a tal antecipação quando, através de um juízo de prognose se perceba que mais a jusante o sentido da decisão também seria favorável. É que ao não haver este requisito e havendo uma decisão de mérito desfavorável, o interessado teria sido prejudicado pelo encurtamento dos prazos de que dispunha para fundamentar a sua pretensão jurídica e para exercer o contraditório.
Há Autores que defendem que este requisito não existe, devido ao silêncio da lei.
Para Marlene Sennewald, o fundamento da Tutela Jurisdicional Efectiva apenas “visa garantir a todos uma resolução judicial da sua questão jurídica em tempo útil e através de meios justos, não garantindo, no entanto que a resolução seja favorável ao interessado” logo insere-se na opinião doutrinal de que este requisito não existe.
Tendo a concordar com a posição de Dora Neto: quando o artigo exige que estejam à disposição todos os elementos necessários, implicitamente, diz-nos que têm que estar à disposição todos os elementos fácticos e de direito que nos permitam chegar à conclusão que a jusante haveria uma decisão favorável. A não haver, numa análise de prognose, dever-se-á não convolar sob pena de se perverter completamente o fim do artigo. Basta imaginar no que será realizar a antecipação de uma decisão principal porque a urgência do caso, a irreversibilidade de uma mera providência cautelar e os restantes requisitos assim determinavam e depois correr uma acção principal em que afinal se vem dizer: bom, parece que a decisão deve ser X em vez de Y como foi decidido em convolação. Não obstante já se regista uma certa irreversibilidade na situação porque se realizou a convolação em sentido favorável…de propósito para evitar irreversibilidades. Ou seja, acabaria por prevalecer, na prática, o mecanismo sumário do art.121.º sobre um juízo com toda a segurança de um procedimento principal.


Nota final para afirmar que este artigo pode ser promovido de forma oficiosa ou por ter sido suscitado pelas partes. Mas no caso de a iniciativa ser da parte, a pronúncia do tribunal no sentido de não conceder convolação não é passível de recurso já que o artigo 121.º a contrario nos demonstra isto.


 Bibliografia

Andradre, Vieira, "A Justiça Administrativa"
Neto, Dora Lucas, "Notas sobre a antecipação do juízo sobre a causa principal", em, "Revista de Direito Público e Regulação" nº1
Sennewald, Marlene, "O instituto da convolaçao da tutela cautelar em tutela final urgente consagrado no artigo 121.º do CPTA", em, "Revista de Direito Público e Regulação" nº5
João Gaspar 
nº18200