Acerca do decretamento
provisório de providências cautelares
1-Noção e âmbito de
aplicação
1º Parte
O
artigo 131º do CPTA, consagra um instituto que funciona como uma espécie de
tutela cautelar de segundo grau, destinada a evitar o periculum in mora do próprio processo cautelar, prevenindo os danos
que, para o requerente, possam resultar da demora deste processo.[1]
Este preceito integra disposições particulares, mas constitui um aspecto
suplementar do regime cautelar, valendo para qualquer providência em situações
de especial urgência.[2]
Neste sentido Maria Fernanda Maçãs afirma, que o artigo 131 do CPTA
restringe-se às situações de especial urgência, designadamente quando esteja em
causa a lesão iminente e irreversível de direitos, liberdades e garantias.[3]
Pergunta-se então: o que significa situações de especial urgência no âmbito do
nº3 do artigo 131 do CPTA? O tribunal Central Administrativo do Sul, no seu
Acórdão de 8 de Março de 2007, referente ao processo nº 02202/06 concretiza tal
conceito dizendo que “ o segmento “ outra situação de especial urgência”
reporta-se ao direito invocado pelo Requerente, cuja natureza, embora não
integre o catálogo constitucional dos direitos, liberdades e garantias ditos
“puros”, participa categoria dos direitos fundamentais em geral ou dos direitos
fundamentais de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias a que se
refere o artº 17º da CRP”. Salvo o devido respeito, baseados na doutrina
portuguesa não concordamos com a distinção que o TCA Sul vem fazer entre
protecção dos direitos, liberdades e garantias e direitos fundamentais de
natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, estes últimos, nos
termos do artigo 17, da CRP, seguem o regime dos direitos, liberdades e
garantias pelo que já se incluiria dentro da previsão inicial, pelo que mesmo
que não se prevê-se que o regime de especial urgência sempre os direitos
fundamentais de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias
beneficiaram desse regime.[4]
Sendo assim, o TCA Sul nada acrescentou, tornando-se inútil afirmar o que é já era da opinião unânime na doutrina.
Passando agora ao âmbito de aplicação do
artigo 131º do CPTA tratando-se de um meio cautelar, serão de excluir todas as
situações em que a salvaguarda da tutela judicial efectiva só possa ser assegurada
por uma resolução definitiva do caso.[5]
Nessas situações, no caso de estar em causa a protecção de direitos, liberdades
e garantias, deverá ser usado o meio processual de intimação para a protecção
de direitos, liberdades e garantias previstos nos artigos 109 a 111 do CPTA;
mais à frente iremos desenvolver esse ponto de modo a diferenciar o âmbito da
providência cautelar provisória do instituto supre mencionado. Fora das
situações em que esteja em causa a protecção de direitos, liberdades e
garantias, não haverá meio específico para assegurar a tutela jurisdicional
efectiva quando ela só possa ser assegurada através de uma decisão definitiva
muito rápida, pois a utilização do processo especial de antecipação da
resolução definitiva do caso. Previsto no artigo 121º do CPTA, só é utilizável
se forem verificados os requisitos aí exigidos e poderá não ter celeridade
necessária. Convêm também acrescentar que o preceito em causa que é alvo de
análise não se aplica quando esteja em causa a suspensão da eficácia de um acto
administrativo ou de uma norma regulamentar ( artigo 130 nº4 do CPTA), devido à
aplicação ao caso o regime especial da proibição de execução previsto no artigo
128 do CPTA.[6]
Ainda no âmbito da aplicação segundo o nº2 do artigo 131º do CPTA, na tomada de
posição de Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, nada
parece justificar, à luz do princípio da tutela jurisdicional efectiva, que o
decretamento provisório tenha de ser pedido log no próprio requerimento
mediante o qual, é intentado o processo cautelar ( artigo 114º do CPTA)[7].
Na opinião dos autores acima mencionados, não é, verdade, de excluir que a
evolução das circunstâncias ao longo do período de tempo da pendência do
processo cautelar possa vir a exigir, um decretamento provisório que não se
justifica no momento em que o processo tivesse, sido decidido mais rapidamente[8].
Pode assim tal ser objecto de um incidente, ao longo da pendência do processo
cautelar.[9]
2-Tramitação
do decretamento provisório.
Primeiro que tudo, estamos
perante um procedimento extremamente e prioritário que provoca uma enorme
perturbação nos serviços dos tribunais, pois tem de ser relegada para momentos
posteriores a prática dos actos normais. Pense-se por exemplo, na situação
vulgar de um pedido de decretamento provisório surgir no momento em que o
tribunal está a realizar ou tem agendado um julgamento moroso com produção de
prova. Como o pedido de decretamento provisório, tem tratamento prioritário, se
nele houvesse a necessidade de realização de diligência probatórias teria, em
regra, de ser adiado o julgamento, com as óbvias implicações negativas
inerentes. Por outro lado, com o alargamento do âmbito de aplicação do artigo
131º a todas as situações de especial urgência, é frequente surgirem pedidos
deste tipo e é de supor que a frequência venha a aumentar consideravelmente à
medida que a existência deste meio processual ganhe maior ressonância no meio
forense e fora dele. Desta forma é que o meio processual em causa é
extremamente célere, pouco oneroso para os tribunais, em termos de meios
humanos, por forma a compatibilizar a decisão os pedidos de decretamento
provisório com o funcionamento normal do tribunal; é isto que se extrai da
ratio do nº3 do 131.
Por outro lado na fase de confirmação ou alteração,
também não são realizadas diligências probatórias, como resulta do preceituado
no nº6, em que se prevê que seja dado às partes o prazo para se pronunciarem e,
em seguida, isto é, sem intermediação de qualquer outro acto, o processo é
concluso ao juiz ou relator para decisão. Esta omissão de diligências tantos
antes do decretamento como na fase de confirmação/ alteração tem como corolário
que não seja necessária a demonstração da existência de fumus boni iuris, em qualquer das suas vertentes, para decretamento
da providência.[10]
Tal conclusão extrai-se do nº3 do art.131º porque não se inclui aqui a
necessidade de um juízo indiciário sobre a viabilidade ou inviabilidade da
pretensão, do fumus boni iuris, que é
requisito explícito em todas as situações de adopção de medidas cautelares
previstas no artigo 120º do CPTA. É certo que no nº4 do artigo 131º se admite,
como única diligência a possibilidade de audição do requerente, “quando as
circunstâncias o imponham”. Mas mesmo que se admita que esta audição possa
fornecer elementos positivos sobre a consistência do pedido formulado, os
factos de não se admitir qualquer outro tipo de diligência e ser mais provável
que o requerente encontre apoio para a sua pretensão em pessoas por si
indicadas do que no requerido, que surge no procedimento numa posição de
confronto com o requerente, revelam que não terá sido com a preocupação de
possibilitar ao requerente a demonstração do fumus boni iuris, terá sido prevista a possibilidade de audição do
requerido. Sendo assim, tem de se concluir, como toda a razão que o
procedimento de decretamento provisório não foi estruturado com a preocupação
de possibilitar ao requerente demonstrar a consistência do pedido formulado ou
a formular no processo principal.[11]
Na verdade, constata-se que na suspensão de eficácia de actos administrativos,
que é o meio cautelar mais utilizado e mesmo o único como tal regulamento no
CPTA, há mesmo uma espécie de decretamento provisório automático da
providência, pois proíbe-se a autoridade requerida, logo que receba o duplicado
do requerimento, de iniciar ou prosseguir a execução do acto ( artigo 128º nº1
do CPTA). Nestas situações, prescreve-se automaticamente um efeito equivalente
a um decretamento provisório da providência de suspensão de eficácia, não só
sem consideração do fumus boni iuris,
mas também sem comprovação do próprio periculum
in mora, e sem formulação de um juízo sobre a necessidade de adopção
imediata dessa medida[12] (
haverá apenas uma apreciação dos fundamentos de rejeição, previstos no artigo
116º do CPTA). Por outro lado se é certo que a falta de contraditório prévio
pode conduzir à ocorrência de situações em que o tribunal seja induzido em erro
por um requerimento apresentado com má fé, as sanções previstas na lei para a
litigância de má fé parecem ser um elemento fortemente dissuasor da sua
apresentação, quando está em causa a obtenção de um êxito processual durante
apenas alguns dias. Neste contexto, a eventualidade de o tribunal ser induzido
em erro será um inconveniente desprezível quando ponderado com as vantagens que a solução tem
a nível de tutela judicial efectiva, que é opção constitucional e legislativa
declarada, e do bom funcionamento dos tribunais, necessário para assegurar em
plenitude. Assim, é de concluir que a interpretação de que o fumus boni iuris, não é requisito do
decretamento provisório e a que encontra melhor suporte nos textos legais, é a
solução mais acertada e a que melhor se compagina com a globalidade do sistema
de tutela cautelar no âmbito do contencioso administrativo.
Como se disse, a única diligência que se
prevê, sem carácter de obrigatoriedade, é a audição do requerido “ quando as
circunstâncias o imponham”. Estas circunstâncias, não poderão ter a ver com
dúvidas sobre a existência da situação descrita, pelo requerente, pois, se à
face da petição existirem dúvidas desse tipo, o próprio nº3 do artigo 131º
afasta a possibilidade de decretamento provisório da providência, já que esta
apenas pode ter lugar quando for possível “reconhecer a possibilidade de lesão
iminente e irreversível do direito,liberdade ou garantia ou outra situação de
especial urgência”. Assim, se houver dúvidas sobre a existência de uma situação
deste tipo, à face dos próprios factos e documentos apresentados pelo
requerente, terá de se concluir que não é possível reconhecer aquela
possibilidade de lesão.[13]
Por outro lado, nestas situações de decretamento provisório, o contraditório é
assegurado após o decretamento, nos termos do nº6 deste artigo, haja ou não
lugar à audição do requerimento prevista no nº4, pelo que é de concluir que não
é com a finalidade de assegurar a possibilidade de contraditório que se impõe a
audição do requerido. Sendo assim, parece que esta audição deverá conexionar-se
com a eventual existência de circunstâncias que possam constituir causas
legítimas de inexecução, tanto as resultantes da inexequibilidade da
providência requerida como as, que se consubstanciam em grave lesão do
interesse público e privados necessária para decretar a providência. Na
verdade, este limite à actividade dos tribunais administrativos, que já existia
na LPTA, na fase executiva, é hoje reforçado no CPTA, que, além de prever as
mesmas situações de inexequibilidade por existência de causa legítima
inexecução ( impossibilidade absoluta ou grave prejuízo para o interesse
público- artigo 163º), tendo em conta o artigo 45º. Por isso, não se compreende
que se possa provocar com uma decisão cautelar um prejuízo que não poderia ser
gerado mesmo por uma decisão definitiva que reconhecesse o direito do
interessado, tem de entender-se que a possibilidade de gerar grave prejuízo
para o interesse público será um obstáculo também no decretamento provisório.[14]
No que toca à audição do requerido, apenas se
tem em vista a audição da entidade contra quem é directamente requerida a
providência e não também de eventuais contra-interessados porque aliás em
muitos casos será inviável ouvir contra-interessados em tempo útil pois eles
poderão ssr milhares, num concurso público à escala nacional. Por isso é de
concluir que a audição terá a ver com a possibilidade de execução da medida
cautelar e a eventual possibilidade de grave lesão de interesses públicos. O
facto de não se prever a audição prévia de contra-interessados inculca que não
se fará, pelo menos nesta fase, uma ponderação de prejuízos relativos para os
interesses públicos e privados em presença para o requerente e para a
Administração, indispensável para a concessão da providência, nos termos do nº2
do artigo 120º. Tal justifica-se na situação de irreversibilidade ou gravidade
da lesão do direito do requerente que se pretende evitar. No entanto haverá que
considerar, sempre, situações em que a adopção de uma medida cautelar
provisória provoque também a lesão irreversível de direitos de terceiros,
situação esta que será um limite à adopção da providência neste âmbito, pois
não se compreenderia que se aceitasse para terceiros aquilo que se quer evitar
para o requerente.
Se o decretamento da providência for
recusado, por não ser reconhecida uma situação das previstas no nº3 do artigo
131º, cessará aqui o procedimento provisório, pois não é impugnável a decisão
(nº4). Mas, tal não obstará a que se prossiga o processo para apreciação da
verificação dos requisitos necessários para o decretamento de uma providência
normal, que são diferentes.
Decretada a providência provisória, a decisão
é notificada às autoridades que a devam cumprir (nº6). A referência às partes
no número atrás mencionado na providência, aqui no plural, deixa entrever que serão
notificados também eventuais contra-interessados, uma vez que eles também são
parte na providência ( 115º e 117º). No entanto a prática que já se tem de
aplicação do CPTA não pode deixar de lançar dúvidas sobre a viabilidade desta
audição de contra-interessados, também nesta fase[15].
Por outro lado, será também notificado o próprio requerente sobre a manutenção
ou alteração da providência, como se depreende também da dita referência às
“partes”, o que se justificará primacialmente nos casos em que a providência
adoptada não seja aquela que foi requerida.
Será que tantas limitações prejudicam na
totalidade os direitos dos contra-interessados? A lei dá-nos uma solução no
artigo 124º do CPTA, agora numa providência normal, com a possibilidade de
realização de diligências, pois estará ultrapassada a fase de grande urgência,
e com a apreciação dos requisitos gerais das providências, previstas no artigo
120º. Fica assim na nossa opinião assegurada a tutela jurisdicional efectiva
para todas partes pelo que se disse.
Haverá que considerar como obstáculos ao
decretamento provisório os fundamentos gerias que vêm previstos no artigo 116º
do CPTA. Por um lado, a ocorrência de manifesta ilegitimidade ou manifesta
ilegalidade está prevista como obstáculo a qualquer pretensão cautelar. São
assim na nossa opinião imperativas. Por outro lado, trata-se de situações em
que o obstáculo à concessão é manifesto e , por isso, a sua apreciação cabe
perfeitamente no âmbito de um despacho de decretamento provisório, que tem
também natureza essencialmente liminar, por não depender de realização de
diligências.
O nº3 do artigo 131º faz depender o
decretamento provisório do periculum in
mora( iminência de uma lesão irreversível). Neste contexto, a aparência de
viabilidade da pretensão relevará apenas pela negativa, nos casos de manifesta
ilegitimidade ou manifesta ilegalidade, em que se justifica a rejeição liminar.
Tendo em conta o periculum in mora,
basta o risco de uma lesão parcial ou temporária do direito, não sendo
necessário o perigo da sua eliminação global, pelo que, nunca situação que se
prolongue no tempo, bastará que o direito não seja assegurado durante todo o
período de tempo em que deveria sê-lo para se justificar o decretamento da
providência.
A existência de contra-interessados será mais
um obstáculo para o decretamento da providência provisória, quando a protecção
tenha como corolário a perda de idêntico direito ou interesse para um dos
contra-interessados.[16]
Neste tipo de situações, o requerente e o contra-interessado estão em idêntica
situação perante a tutela jurisdicional efectiva de direitos, não se podendo
apenas com base no periculum in mora,
dar preferência a um em detrimento do outro, pois o afastar o perigo em relação
a um, será criá-lo para o outro. Mas, só nestes casos de lesão irreversível do
direito de contra-interessado a sua existência justificará necessariamente, o
afastamento do decretamento provisório. Na verdade, no nosso ordenamento
jurídico admite-se que, em caso exepcionais previstos na lei se possam tomar
providências contra determinada pessoa sem esta seja previamente ouvida (
artigos 3º nº2, 385º e 388 do CPC). Estas situações que são as de suspensão de
eficácia, em que a proibição da execução do acto se pode reconduzir a uma
providência contra pessoa determinada e as de decretamento provisório, em que
nunca se admite a audição de contra-interessados antes do decretamento da providência.
A última questão sobre
a tramitação prende-se na possibilidade de decretamento provisório oficioso.
Tendo em conta o nº1 do 131º parece, que independentemente de um pedido
específico nesse sentido, se a descrição da situação fáctica feita na petição
impuser o decretamento provisório, o tribunal deverá decretá-lo.[17]
3- Artigo 131 Vs 109.
Embora a intimação para
a protecção de direitos, liberdade e garantias e a decretação provisória da
providência cautelar se destinem, primordialmente, à protecção de um direito,
liberdade ou garantia do particular face a actuações da Administração, ou de
certos particulares, estes meios processuais possuem campos de aplicação
díspares. A intimação deverá ser utilizada, quando para a protecção que seja
requerida pelo particular apenas seja possível mediante uma decisão, a título
definitivo, do mérito da causa. Nesses termos a intimação é um processo
principal urgente, mas não sendo assim necessário uma decisão posterior do
Tribunal, excepto no que concerne à execução da sentença. Já a decretação
provisória de uma providência cautelar, apenas poderá ser utilizado de forma a
salvaguardar a decisão a proferir no processo principal, a que a providência
cautelar se encontre adstrita. Aliás, veja-se que qualquer tipo de providência
cautelar não pode ser utilizada quando tenha como efeito a geração de uma
situação de facto que torne desnecessária a sentença a emitir no processo
principal.
Assim chegamos à conclusão de que os casos em
que se poderá fazer uso da intimação ou da decretação provisório da providência
cautelar não se sobrepõem. Tendo também em conta o artigo 109 nº1 do CPTA,
verificamos que a intimação é subsidiária relativamente ao decretamento
provisório da providência cautelar.[18]
Por outro lado deve o
juiz, caso o meio processual usado não corresponder ao devido, proceder à
convolação do processo (268nº4 da CRP). Assim a inadmissão de um pedido de
intimação em face da preferência de um decretamento provisório leva, não à
absolvição da instância do requerido, mas antes à convolação do processo ( de
sumário em cautelar)[19].
2º parte
4-
Inimpugnabilidade da decisão provisória
O artigo 131º nº5 do
CPTA estabelece que a decisão provisória não é susceptível de qualquer meio
impugnatório. O local de inserção deste nº5, antes norma que se refere à
manutenção ou alteração do decidido , que consta do nº6, sugere que a não
impugnabilidade absoluta se reportará à decisão provisória que decorreu ou
recusou decretar a providência e não à decisão posterior sobre o levantamento,
manutenção ou alteração previsto no nº6[20].
Por isso presumindo o que está descrito no artigo 9º nº3 do Código Civil, o
legislador expressou o seu pensamento em termos adequados e deverá concluir-se
pela impugnabilidade da decisão de manutenção, levantamento ou alteração.[21]
Pela nossa parte, não concordamos com tal opinião, salvo o devido respeito,
porque não deixa dúvidas o que se estipula no nº5 e poderá ter havido um lapso
do legislador na ordem dos números do artigo 131º do CPTA.
Por outro lado, só em relação à primeira
decisão de decretamento, por estar sujeita a revisão de decretamento, por estar
sujeita a revisão obrigatória no prazo de poucos dias, se justificará a
inimpugnabilidade absoluta.
5-
O âmbito de aplicação dos artigos 128 e 131 é excludente?
O CPTA, ao permitir o
decretamento provisório cautelar, deu azo a um problema, a saber, o de se
delimitar a coexistência entre os artigos 128º e 131º, por serem ambos
mecanismo de tutela prévia à própria tutela cautelar. Sendo assim várias
perguntas podem surgir:
-Como justificar, ab initio, no despacho liminar de
admissão de um pedido de decretamento provisório de suspensão de eficácia de um
acto ou regulamento, a derrogação do artigo 128º?
-Admitido e decidido o
pedido de decretamento provisório, como fica a situação em causa se este for
indeferido? Opera, em segunda linha, o efeito imediato do artigo 128º?
-Tendo a Administração
apresentado resolução fundamentada, pode o requerente vir pedir o decretamento
provisório da providência?
Como via de solução para todas estas questões
considera-se que os artigos 128º e 131º, têm âmbitos de aplicação distintos e
excludentes.[22]
O artigo 128º será aplicável a pedidos de suspensão de eficácia de actos ou de
normas administrativas ( 130ºnº4) e o artigo 131º aplicar-se-á às restantes
situações de tutela conservatória[23].
Sendo proferida resolução fundamentada
torna-se ainda mais difícil justificar tão distintas tutelas, face ao regime
apertado e limitado de ponderação dos prejuízos no incidente de declaração de
ineficácia dos actos de execução indevida e à (im)possibilidade de impugnação
da resolução fundamentada fora deste incidente.
Por outro lado, permitir que face a uma norma
ou acto se lance mão do artigo 131º, mesmo que se definisse que nunca se
poderia voltar ao regime do artigo 128º, e vice-versa, admitindo que não fossem
excludentes em teoria, embora na prática, o exercício de um impedisse o
exercício do outro, sendo tentador e muito mais justo tendo em vista uma maior
tutela judicial efectiva, deixaria ainda por resolver, pelo menos, a primeira
das questões supra mencionadas. Apenas a intervenção do legislador poderá
resolver este conflito esperando-se que na já antevista revisão do CPTA, seja
efectivamente suprimido o artigo 128º[24].
Por sua vez Tiago
Amorim afirma que o artigo 128º, não se limita a determinados tipos ou casos de
suspensão da eficácia.[25].
Mário Aroso de Almeida afirma que os dois
regimes não se confundem. Com efeito, a proibição de executar do artigo 128º
opera automaticamente, com a recepção do duplicado do requerimento pela
entidade requerida, em todos os casos em que tenha sido deduzido o pedido de
suspensão da eficácia de um acto administrativo. Distingue-se, assim pela
abrangência, cobrindo muitas situações que ficariam de fora das previsões do artigo
131º nºs 1 e 3 e do automatismo, na medida em que opera extra-judicialmente,
sem estar dependente de decisão do juiz.[26]
6-Processos
especiais
No nº3 do artigo 132º
estabelece-se para os procedimentos cautelares pré-contratuais, que se aplicam,
nesse domínio, as regras do capítulo anterior, com ressalva dos disposto nos
números seguintes.
Esta referência ao capítulo anterior, parece
não poder ter outra interpretação do que excluir deste meio cautelar a
aplicação das outras disposições do capítulo II do Título V do CPTA, em que se
insere aquele artigo 132º. A ser assim, não será possível o decretamento
provisório no âmbito dos procedimentos cautelares pré-contratuais, pois o
artigo 131º está englobado no referido capítulo II e não no capítulo anterior.[27]
No entanto, é uma solução que não se
compreende, pois o facto de nesses procedimentos estarem em causa normalmente
actos procedimentais não finais, de que dependem actos posteriores, até
recomendaria uma maior celeridade da decisão.[28]
No artigo 133º prevê-se
um regime limitado aos requisitos da concessão da providência, nada se
estabelecendo quanto ao regime processual da mesma. Por outro lado, não se
afasta aqui, a aplicação do disposto no capítulo II, pelo que deverá
entender-se que essa omissão de indicação da tramitação da providência terá
ínsita uma remissão para os regimes processuais de concessão de providências
não específicas, abrangendo, portanto o regime geral previsto no capítulo I e o
decretamento provisório que, embora enquadrado no capítulo II, é potencialmente
aplicável à generalidade das providências, na falta de norma especial que
exclua a sua aplicação.
O artigo 133º contêm duas hipóteses a
distinguir: a primeira, é a de o particular ter direito a receber uma quantia
em dinheiro e a Administração não lha pagar; a segunda, é a de o particular ter
direito a uma reparação designadamente por indemnização de perdas e danos ou
por qualquer outro título legítimo, e a Administração não pagar.[29]
Se o particular puder provar que isto lhe faz falta ou lhe causa um prejuízo
relevante, então a providência cautelar a impor à Administração que faça um
pagamento por conta, um pagamento adiantado da totalidade, ou pelo menos de uma
parte daquilo que o particular alega ser-lhe devido.[30]
7-
Acórdãos relevantes sobre o decretamento da providência cautelar provisória.
Acórdão 2/3/2005 do Taf
Funchal, num processo cautelar visando a suspensão e eficácia de um acto de
licenciamento de obra particular que já estava em curso, em que se diz:
- O pedido previsto no
artigo 131º do CPTA deve ser feito no requerimento inicial da providência
cautelar, pelo que deve ser indeferido o requerimento nesse sentido apresentado
uma semana após a instauração da providência.
- O artigo 128º do
CPTA, refere-se apenas aos actos administrativos cujo conteúdo imediato e
directo vise satisfazer principalmente interesses não particulares. As
restantes podem ser obtidas pelo artigo 131º do CPTA.
Acórdão do TAF de Braga
de 11/3/2004- Decidiu-se condenar como litigante de má fé um requerente que, no
âmbito de providência cautelar antecipatória, tinha obtido a imposição do
pagamento de quantia mensal equivalente ao vencimento a título de regulação
provisória, fazendo crer ao tribunal que a requerida tinha usado, sobre si, no
âmbito da contratação, mormente com a assinatura da declaração rescisória, de
coacção moral, quando veio a ficar provado que tudo não passou de um acordo
entre si e a requerida em ordem a possibilitar que o requerente pudesse
discutir a sua tese de doutoramento e , a final , manter-se ao serviço da
requerida como Professor Auxiliar.
Acórdão do TCAN, de 12
de Março de 2009- Tendo em conta o carácter anual dos concursos de acesso ao
ensino superior, forçoso é concluir que se impõe que a decisão a proferir
relativamente à pretensão(…) seja uma decisão de fundo e não provisória. São
demasiadas importantes os valores em causa para que os mesmo possam ser
acautelados com uma simples decisão provisória, que pode ser alterada pela
decisão a proferir no processo principal.
Acórdão TAF Leiria de
15 de Março de 2005- A possibilidade de ocorrência de uma lesão iminente e
irreversível do direito ao ambiente, direito análogo aos direitos, liberdades e
garantias- e também direito social, salientamos que fundamentalmente que se verifica
uma situação de especial urgência, consubstanciada na necessidade de impedir,
imediatamente, a prática de actos lesivos do património agro-florestal
legalmente protegido, encontram-se reunidas as condições para o decretamento
provisório da providência requerida.
Tony
Almeida Nº17812
[1] Mário
Aroso de Almeida, Manual de processo administrativo,2010 Almedina pág 452. A
Figura em causa não se trata de uma providência cautelar da providência cautelar
como acontece em França com o “référésauveguard”. Neste Sentido René Chapus,
Droit du Contentieux Administratif, 10ºedição, Paris, 2002 pag 1234.
[2] Neste
sentido, Acórdão do TAF Lisboa in CJA, nº44 p.78, que acrescenta a condição de
tal situação não se tenha ficado a dever à conduta processual do requerente.
[3] Maria
Fernanda Maçãs, As formas de tutela urgente previstas no CPTA, Revista do
Ministério Público nº100 ano 25 2004, pág 64
[4] Neste
sentido- Mário Aroso de Almeida/ Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário
ao CPTA, 3ºedição Almedina 2010, afirmando que tal institudo não se destina
apenas ao disposto do artigo 20nº5 da CRP. O instituto visa assegurar a tutela
jurisdicional efectiva, em sede cautelar de todo e qualquer tipo de direitos,liberdades
e garantias, sem que haja que distinguir entre direitos, liberdades e garantias
pessoas e de conteúdo patrimonial, incluindo também os de natureza análoga.
Muito próximo deste entendimento, Maria Fernanda Maçãs ob cit pag 64, afirmando
que haverá urgência nas situações em que os direitos e interesses legalmente
protegidos do requerente estejam ameaçados de dano iminente e irreversível, que
não se compadece com o transcurso do tempo necessário à tramitação da
providência cautelar em causa, tornando inútil a própria providência cautelar
e, por conseguinte a sentença de mérito.
[5] Jorge
Manuel Lopes de Sousa in CJA nº47,
Setembro/Outubro 2004
[6] Vieira
de Andrade, Justiça Administrativa 8º edição pag 368, afirmando que se deve
entender que a aplicação do regime da proibição de execução é uma alternativa
excludente, com base na ideia sistemática de adequação ao regime especial das
decisões administrativas unilaterais- para as quais faz sentido que se permita,
em primeira instância a resolução fundamentada da Administração, sujeita a
fiscalização judicial. No mesmo sentido: Carla Amado Gomes, Dúvidas não
metódicas sobre o novo processo de impugnação de normas do CPTA, in CJA nº60, Novembro Dezembro de 2006,pág.
16. A autora defende que uma vez que os pressupostos no artigo 131 nºs 1 e 3,
são perfeitamente conciliáveis com o fenómeno dos regulamentos
[7] Mário
Aroso de Almeida/ Carlos Alberto Fernandes Cadilha ob.cit pág 871
[8] Idem
[9] Assim:
Paulo Perreira Gouveia, As realidades da nova tutela cautelar administrativa in CJA nº55 pág. 14.
[10] Jorge
Manuel Lopes de Sousa, ob.cit, pág 48
[11] Idem,
ob cit, pag 49, que para nós se demonstra ser uma excelente tomada de posição.
O autor presume ter sido a solução legislativamente adoptada segundo o artigo
9º nº3 do Código Civil. Foi uma opção que se teve de fazer legislativamente
porque ou se assegurava uma tutela judicial efectiva com simplificação
processual, ou se optava por um processo com a produção de prova e mais tarde
ou mais cedo se teria de concluir pela inviabilidade de adequado funcionamento
dos tribunais administrativos e se acabaria por restringir legislativamente o
âmbito de aplicação do decretamento provisório de providências, como se previa
no anteprojecto ministerial que antecedeu o anteprojecto que foi submetido a
discussão pública. Como mostra a história o colapso dos tribunais de instrução
criminal no regime anterior à reforma do processo penal de 1987 não deixou,
decerto, de estar presente no espírito de um legislador avisado, quando se
criam processos urgentíssimos.
[12] Ibidem,
pág 50
[13] Jorge
Manuel Lopes de Sousa, ob.cit pag 52
[14]
Idêntica solução se encontra prevista no artigo 102º nº5 do CPTA
[15] Num
processo de providência cautelar pendente no TAF de Braga foram indicados 3500
contra-interessados. Será isto viável? Pensamos que não devido devido à dificuldade para um juíz no prazo de cinco dias referidos no nº6 do 131º apreciar várias
centenas de respostas, se por exemplo todos se procunciarem. Sendo assim somos
da opinião que apenas quando a audição dos contra-interessados tenha um efeito
útil devido à celeridade do processo em causa esta poderá ser chamada à
colação.
[16] Por
exemplo numa situação em que esteja em causa a atribuição de uma casa de renda
limitada, para famílias carenciadas, não se pode dar alojamento a um
interessado que dela necessite com urgência tirando a outro, com idêntica
necessidade, o direito de a ocupar.
[17] Neste
sentido Vieira de Andrade, ob,cit. O autor afirma que embora o nº3 do artigo
131, não seja claro, deverá entender-se, com base no princípio da tutela
judicial efectiva, que o juiz, pelo menos quando esteja em causa a lesão
iminente e irreversível de direitos, liberdades e garantais, deve poder
decretar provisoriamente a providência requerida ou outra que julgque mais
adequada, mesmo que o decretamento provisório não tenha sido pedido.
[18] Carla
Amado Gomes, Pretexto,contexto e texto da intimação para a protecção de
direitos,liberdades e garantias, Estudos em homenagem ao Professor Doutor
Inocêncio Galvão Telles Vol V, Almedina, Coimbra p.543. A autora afirma que a
intimação deve ser usada sempre que a provisoriedade do juízo cautelar não seja
possível ou suficiente para assegurar a tutela plena de direito. Isto é,
estando em causa cognições sumárias motivadas pela urgência, o juízo
provisório, revisível no próprio processo cautelar em curso, prefere ao juízo
definitivo proferido na intimação, só eventualmente revisível em via de
recurso( se o houver).
[19] Idem,
Pág 565. No mesmo sentido Mário Aroso de Almeida/ Carlos Alberto Fernandes,
ob,cit 877
[20] Jorge
Manuel Lopes de Sousa, Ob.cit. pág 58.
[21] Idem
[22] Dora
Lucas Neto-Meios cautelares In CJA
nº76 Julho/Agosto 2009
[23] Idem
[24] Ibidem
[25] Tiago
Amorim- As providências cautelares do CPTA: um primeiro balanço, in CJA nº47 Setembro/ Outubro 2004. De
resto o autor e Dora Lucas sobre esta matéria têm tomadas de posição
completamente idênticas.
[26] Mário
Aroso de Almeida, ob.cit pág 460.
[27] Jorge
Manuel Lopes de Sousa, Ob.cit pag 57.
[28] Idem.
[29] Diogo
Freitas do Amaral- As providêncais cautelares no novo contencioso
administrativo, In CJA Nº43 pág 11.
[30] Idem.