terça-feira, 15 de maio de 2012


O Ato Administrativo Inimpugnável


Artigo 38.º

Acto administrativo inimpugnável

1 - Nos casos em que a lei substantiva o admita, designadamente no domínio da responsabilidade civil da Administração por actos administrativos ilegais, o tribunal pode conhecer, a título incidental, da ilegalidade de um acto administrativo que já não possa ser impugnado.

2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, a acção administrativa comum não pode ser utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação do acto inimpugnável.

    O nº1 do artigo supracitado prevê a existência de atos administrativos contra os quais já não é possível instaurar um processo com vista à sua anulação. Porém, permite-se que seja intentada ação administrativa comum, nomeadamente, de responsabilidade civil[1] por danos causados invocando esse ato que, por sua vez, pode vir a ser reconhecido como ilegal, a título incidental, quando a lei o admita, desde que essa ação não tenha como objetivo obter o efeito que resultaria da anulação do ato inimpugnável, conforme resulta do nº 2.

    Ainda quanto à interpretação do artigo importa referir que os atos inimpugnáveis abrangidos pelo artigo 38º só o são por caducidade, em concreto, por ter caducado o prazo de impugnação (cfr. 58º e 59º do CPTA). Ou seja, estes atos eram impugnáveis antes de se cristalizarem na Ordem Jurídica como válidos por decurso do tempo. Não se incluem aqui, portanto, atos aos quais está vedada a impugnação contenciosa, por força de preceito constitucional ou legal.

    Este artigo autonomiza o pedido de indemnização do pedido de anulação ou de declaração de nulidade do ato administrativo. Desta forma, resolve a polémica em torno do artigo 7º do D.L. nº 48 051, de 21 de Novembro de 1967 considerado, inclusive, inconstitucional pelo Professor Vasco Pereira da Silva. O preceito estatuía o seguinte:

“O dever de indemnizar, por parte do Estado e demais pessoas colectivas públicas, dos titulares dos seus órgãos e dos seus agentes, não depende do exercício pelos lesados do seu direito de recorrer dos actos causadores do dano; mas o direito destes à reparação só subsistirá na medida em que tal dano se não possa imputar à falta de interposição de recurso ou a negligente conduta processual da sua parte no recurso interposto.”

    É clara a diferença. Deixa de ser necessária a prévia ação de impugnação contenciosa do ato administrativo como requisito da ação de responsabilidade, admitindo que o ato administrativo que se tornou inimpugnável pode, na produção dos seus efeitos, provocar danos na esfera jurídica do seu destinatário, danos esses que não podem deixar de ser atendíveis e, consequentemente, ressarcidos, tendo em conta que a caducidade, apesar de o tornar inimpugnável “per se”, não o sana de eventuais ilegalidades.

    A caducidade, aqui, consubstancia, de certa forma, uma “barreira” processual de acesso à ação de impugnação de um ato, mas não o torna totalmente inatacável caso este provoque danos. O ato continua válido na Ordem Jurídica e a ação terá como resultado apenas o ressarcimento dos danos que tenha provocado e não uma anulação do mesmo, em conformidade com a ressalva o nº 2: este não é um meio que possa ser utilizado para obter o efeito que resultaria da anulação do ato. 

    Importa também referir que independentemente da melhoria que se verificou no sistema, com a adoção do regime previsto no artigo 38º, a impugnação do ato enquanto este é ainda impugnável e, portanto, respeitando os prazos previstos nos artigos 58º e 59º, é sempre mais benéfica para os particulares, uma vez que o pode “apagar” da Ordem Jurídica, prevenindo futuros litígios que tenham por objeto o mesmo ato entretanto convertido num ato inimpugnável.

    Numa ótica de economia processual, a opção pela impugnação será também preferível, uma vez que basta uma ação para que este deixe de vigorar, evitando-se, assim, que se verifique a propositura de várias ações baseadas no artigo 38º, referentes ao mesmo ato, mas propostas por diferentes destinatários em tempo e espaço diferentes, “inundando” os tribunais com pedidos e causas de pedir semelhantes referentes a um mesmo ato.

Bibliografia:

ALVES, P. O novo regime de impugnação de normas in SILVA, V.P et al. Novas e Velhas Andanças do Contencioso Administrativo - Estudos Sobre a Reforma do Processo Administrativo. Lisboa: AAFDL. 2005

PINTO, M. Impugnação de Normas e Ilegalidade Por Omissão: No Contencioso Administrativo Português. Coimbra: Coimbra Editora. 2009

SILVA, V.P. O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise. Coimbra: Almedina. 2009

Petra Gouveia
17506


[1] A menção à responsabilidade civil da Administração por atos administrativos ilegais não exclui que seja intentada ação administrativa comum com outro objeto, tendo por base este artigo (tal é deixado claro pelo advérbio “designadamente”. É, porém, neste domínio que o problema mais se coloca.