A actividade
administrativa, com a evolução do Estado para o Estado-Providência e Social,
adquire a consideração (por muitos) de mais relevante actividade estadual. Como
refere Pereira da Silva, o particular passa a estar ‘’em face da Administração
como um sujeito de Direito perante outro’’, visto que deixa de estar submisso à
sua vontade.É daqui que
se suscita a importância da fundamentação do acto administrativo, como direito
constitucionalmente consagrado (artº. 268º/3 CRP), e encarado por vários
autores como ‘’direito fundamental de tipo procedimental’’. Invocando as
palavras de Bachof, ‘’uma boa administração não se pode limitar à pura execução
da lei’’ (muito menos num Estado Social).À luz da
Consituição da República, os particulares, no âmbito da defesa dos seus
direitos, tanto podem recorrer contenciosamente de actos administrativos como
participar activamente no procedimento administrativo (art. 20º e 267º). Assim,
a ideia da fundamentação é tida como elemento de controlo da legalidade e como
garantia dos administrados. No âmbito da Constituição, o artigo 268º/3 (a
partir da revisão constitucional de 1982) consagra o dever de fundamentação
(expressa e acessível) dos actos administrativos.Para além
dos preceitos constitucionais, também o CPA faz referência expressa a este
dever da Administração: o art. 124º impõe que devem ser fundamentados:·
‘’Os
actos que neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou
interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou
sanções’’ – Em suma, os actos desfavoráveis aos interessados;
·
Os
actos que decidam da reclamação ou recurso, ou que impliquem revogação, modificação
ou suspensão de acto administrativo anterior – Ou seja, os actos que incidem
sobre anteriores actos administrativos;
·
Os
actos que decidem em contrário de pretensão ou oposição formulada por
interessado, ou de parecer, informação ou proposta oficial, ou que decidam de
modo diferente da prática habitualmente seguida na resolução dos casos
semelhantes, ou na interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou preceitos
legais – Resumidamente, os actos que reflictam variações no comportamento
administrativo.
Importa
ainda referir que a fundamentação deve ser clara, suficiente e congruente, de
forma a que o interessado possa apreender todos os motivos que deram origem à
decisão do orgão administrativo, incluindo, nomeadamente, os fundamentos de
facto e de direito.Desta forma,
nota-se uma estipulação legal e constitucional do dever de fundamentação dos
actos administrativos, o que influencia naturalmente tanto as ponderações das
entidades decisoras como as expectativas dos administrados. De facto, o próprio
Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a considerar que a obrigação de
fundamentação constitui, por um lado, um imperativo constitucional e, por
outro, um ‘’dever procedimental’’. Como explica o Professor Vasco Pereira da
Silva, o ‘’direito à fundamentação é um direito fundamental de natureza análoga
aos direitos, liberdades e garantias’’. Osvaldo de Oliveira encara a
fundamentação como elemento essencial da legalidade do acto. Mais: do ponto de
vista da entidade emissora, a obrigatoriedade em causa leva à ponderação e
reflexão sobre as razões que levaram a praticar determinado acto, dando origem
a uma maior prudência da Administração Pública.Cabe agora
fazer uma breve referência aos requisitos legais da fundamentação. Antes de
mais, deve-se indicar, resumidamente, o conceito de ‘’requisito’’ à luz da
matéria em causa. Estes são, segundo João Caupers, ‘’exigências’’ legais sobre
cada elemento do acto administrativo, ou seja, são as características que têm
de estar obrigatoriamente verificadas para que o acto seja válido ou eficaz. O
art.123º/1 d) CPA refere como menção obrigatória a fundamentação.Já em
relação ao conteúdo da fundamentação, o STA tem como assente que este é um
conceito relativo que varia em função do tipo legal do acto e das circunstâncias
concretas em que foi emitido. Portanto, é a natureza do acto e a exigência
legal que determinará a densificação exigida para a fundamentação do acto
administrativo. Os requisitos serão determinados em função do caso concreto e
do tipo de acto. Mas será correcto afirmar que existem casos em que é
dispensável a fundamentação em nome de certos princípios? David Duarte
distingue certas situações que justificam a exclusão do dever de fundamentação
em nome de valores juridicamente mais relevantes. Refere-se, por exemplo, as
situações em que o acto é totalmente vinculado, totalmente favorável ou quando
o particular conhece já, pela sua participação no procedimento, a totalidade da
fundamentação. Inclui-se esta ‘’lista’’ ainda as situações de ‘’protecção de
segredo’’ e a salvaguarda da eficiência administrativa. Esta posição é
criticada por certos autores que adoptam a perspectiva de que se a
obrigatoriedade está legalmente consagrada, não há como excepcioná-la.Posto isto,
enuncia-se brevemente os requisitos da fundamentação do acto administrativo. A
Constituição apresenta expressamente dois requisitos: A fundamentação expressa
e acessível (art. 268º/3). Por outro lado, o CPA, nos artigos 125º e 126º,
enuncia que deve ser sucinta e conter os motivos de facto e de direito. Deve
também ser clara, congruente e suficiente (125º/2 a contrario).Para
concluir, procede-se a uma breve análise às consequências da inobservância dos
requisitos da fundamentação. Como foi previamente exposto, pode-se concluir que
os requisitos da fundamentação dizem respeito à sua legalidade e conformidade
com a Ordem Jurídica. Deste modo, perante a falta de algum requisito,
estar-se-ia perante uma ilegalidade. Mas, remetendo ao que foi anteriormente
exposto, a fundamentação é um conceito relativo, que varia em função do caso
concreto. É importante referir que os vícios decorrentes da fundamentação são
distintos daqueles relativos aos actos administrativos. A ideia que se pretende
transmitir é que a inobservância daquela pode determinar a invalidade desta.
Quanto aos vícios próprios da fundamentação, o CPA faz referência à falta de
fundamentação. Considera-se que é inexistente quando os ‘’requisitos mínimos’’
de existência são preteridos. Assim, se a fundamentação não for expressa ou se
não forem indicadas as razões de facto ou de direito, considera-se que há falta
de fundamentação (segundo a corrente maioritária do Supremo Tribunal
Administrativo). Ainda no âmbito do CPA, o nº2 do seu artigo 125º faz equivaler
à falta de fundamentação aquelas que não forem claras, congruentes ou
suficientes.Considerando
a existência de um vício próprio da fundamentação, esta pode sofrer de ‘’vício
de forma’’ e ‘’violação de lei’’. A primeira diz respeito à preterição de um
requisito formal (expressa; sucinta; acessível). A segunda refere-se aos
requisitos de substância, ao seu conteúdo (clara; suficiente; congruente;
fundamentação de facto e de direito).Fora do
âmbito dos vícios próprios da fundamentação, é importante ter noção dos tipos
de vícios do acto administrativo relacionados com a fundamentação: o vício de
forma ou a violação de lei. A esmagadora maioria da doutrina defende que
constitui um vício de forma (Freitas do Amaral; Marcelo Caetano; David Duarte;
Sérvulo Correia), que a fundamentação é uma formalidade. Conclui-se assim que,
à luz desta perspectiva, a falta de fundamentação constitui um vício de forma
(a jurisprudência tende a aderir a esta posição). No entanto, importa ter em
conta o art. 123º/ d) CPA, que se refere à fundamentação como conteúdo próprio
do acto. Ora, se faz parte do seu conteúdo, não pode ser considerada uma mera
formalidade. É este o fundamento invocado por Marcelo Rebelo de Sousa ao
afirmar que a falta de fundamentação gera, necessariamente, violação de lei por
conteúdo ilegal do acto. Além do mais, sendo considerado por muitos um
‘’direito fundamental’’ constitucionalmente previsto, o direito à fundamentação
expressa e acessível é violado se houver falta de fundamentação nestes casos.
Acresce ainda o facto de que a falta de fundamentação, quando exigível, viola
uma série de princípios da actividade administrativa (princípio da legalidade; protecção de direitos e
interesses dos cidadãos).Por fim,
sabendo que se estaria perante um vício, suscita-se a questão de saber qual o
desvalor aplicável – Anulabilidade ou Nulidade. Tanto para o vício de forma
como para o vício de violação de lei, a regra geral é a anulabilidade (e a
Jurisprudência tem ido neste sentido). À partida, só seria admissível a
nulidade em casos demasiado graves que não se contentassem com a anulabilidade.
No entanto, há que ter em conta que, partindo do pressuposto de que está em
causa um direito fundamental, aplicar-se-ia o artigo 133/2 d) CPA – sendo o
desvalor a nulidade do acto (para esta solução apontam Gomes Canotilho e Vital
Moreira; Vasco Pereira da Silva; Marcelo Rebelo de Sousa). No entanto, o
Acordão do Supremo Tribunal Administrativo de 27 de Junho de 1995 parece
insistir na anulabilidade do acto administrativo não fundamentado.Tratando-se
a falta de fundamentação do acto administrativo de uma invalidade, deve-se
proceder à sua impugnação. Estamos assim perante a acção administrativa
especial (art. 46º/1 e 2 e art. 50º CPTA) que, no âmbito do procedimento de
impugnação de actos administrativos, funciona como mecanismo de controlo da
invalidade da actividade administrativa (tanto para a declaração de
nulidade/inexistência como para obter a anulação). Cabe relembrar que as
sentenças de provimento são constitutivas quando se trata da anulabilidade e
meramente declarativas nos casos de nulidade ou inexistência. O legislador
mostra preferência a que se intente uma acção de condenação à prática do acto
devido cumulado à impugnação em certas situações, nomeadamente nos actos de
indeferimento expresso (art. 47º/2 a); art. 4º/2 a) e c)).A causa de
pedir é, simplesmente, a ilegalidade do acto impugnado. Não se exige a lesão de
um direito substantivo do particular. Tem como base o incumprimento de uma
norma jurídica (princípios constitucionais; actos legislativos...). O artigo
95º/2 impõe ao juíz o dever de conhecer de todos os vícios invocados no
processo, acrescentado à tarefa de averiguar oficiosamente a existência de
outras ilegalidades do acto impugnado. Estamos assim perante uma derrogação do
princípio da limitação do juíz pela causa de pedir (sem prejuízo à faculdade
que o Ministério Público tem ao invocar vícios não arguidos).Quanto à
legitimidade activa, o artigo 55º fornece um elenco legal a que se deve fazer
uma breve análise. A acção pode ser intentada, naturalmente, por ‘’acção
particular’’. Isto é, pelos titulares de um interesse directo e pessoal na
impugnação (nº1 a)); pelas pessoas colectivas privadas, quanto aos interesses
que lhes dizem respeito, nomeadamente a defesa de direitos e interesses colectivos
ou a defesa colectiva de interesses individuais legalmente protegidos dos
membros (nº1 c)); e pelas pessoas colectivas públicas na defesa de interesses
próprios (públicos) e pelos orgãos administrativos nas relações dentro da mesma
pessoa colectiva (nº1 c) e d)). Podemos ainda estar ao abrigo da acção popular,
visto que o nº2 expõe a possibilidade de os cidadãos eleitores das comunidades
locais impugnar as deliberações adoptadas pelas autarquias locais na
circunscrição onde se encontrem recenseados (através da acção popular local) e
que o nº1 f), através do art. 9º/2
permite que qualquer pessoa (incluindo o Ministério Público) intente a
acção quando estão em causa interesses relativos a valores e bens comunitários
constitucionalmente protegidos (saúde pública; ambiente; qualidade de vida;
património cultural...). Por fim, a lei permite igualmente a acção pública (nº1
b) e nº1 e)), possibilitando que a acção seja intentada pelo Ministério Público
ou por presidentes de orgãos colegiais quando esteja em causa a defesa da
legalidade. Quanto à legitimidade passiva, o artigo 10º/2 refere as pessoas
colectivas públicas ou, no caso do Estado, o respectivo Ministério, caso o acto
tenha sido praticado por orgão integrado na estrutura ministerial. Deve-se ter
em conta também a possibilidade de litisconsórcio passivo necessário sempre que
existam contra-interessados (art. 57º).Em relação
ao prazo, é importante ter em conta que a impugnação não suspende a eficácia do
acto. Se não for nulo, continua a produzir efeitos. A eficácia só é suspensa
nos casos expressamente previsto na lei (art. 50º/2). Como se sabe, a nulidade
pode ser apresentada a todo o tempo. Já a anulabilidade tem prazo certo, cuja
decorrência implica a inimpugnabilidade da decisão e a formação de caso jugado.
O Ministério Público terá um ano para requerer a anulabilidade, já os
particulares vêm o seu prazo estabelecido em três meses. O prazo de impugnação
judicial do acto é suspenso pela utilização de meios de impugnação
administrativa, e retoma o curso depois de proferida a decisão ou decorrid o
respectivo prazo.A sentença,
para além dos efeitos consitutivos ou declarativos, gera ainda a
retroactividade dos efeitos e ainda a obrigação da administração de reconstituir
a situação de facto.À luz da
matéria exposta, pode-se ainda colocar a possibilidade de intentar uma acção de
intimação. Ou seja, iniciar um processo urgente que se dirige à emissão de uma
imposição, ou seja, à obtenção de uma pronúncia de condenação. A fundamentação
do acto administrativo cabe, como se sabe, no âmbito dos Direitos, Liberdades e
Garantias da Constituição. O CPTA, nos seus artigos 109º a 111º, regula a
intimação para a protecção desses mesmo Direitos, Liberdades e Garantias. Esta pode
ser intentada contra a Administração quando é adoptada uma conduta positiva ou
negativa (109º/1). Nestes casos, o interessado pode requerer a adopção ou
abstenção de operações materiais, como a emissão ou não emissão de actos
administrativos. A intimação pode ter o seu campo de aplicação sobreposto à
acção administrativa especial quando a tutela do Direito Fundamental exija a
prática de um acto administrativo ilegalmente recusado ou omitido. Na
eventualidade de ser proferida uma decisão que dá provimento ao processo, o
juíz determinda o comportamento concreto a que o destinatário é intimado e,
sendo caso disso, o prazo para o cumprimento e o responsável pelo mesmo.
Pode-se eventualmente impôr o pagamamento de uma sanção pecuniária compulsória
para o caso de incumprimento da intimação (art. 110º/4 e 5).
Yassir Khalid nº18456