O sistema brasileiro, no que toca ao Direito
Administrativo, apresenta-se como um isto entre o sistema de administração
judiciária e a executiva. Isto porquanto, por um lado, confere aos tribunais
comuns o controlo da actuação da Administração Pública, e ao mesmo tempo está
fundado numa série de conceito da tradição francesa, conferindo-lhe,
principalmente no âmbito da jurisdição materialmente administrativa, uma série
de privilégios processuais. Mas será que a função administrativa é passível de
controlo? Se sim, quais os órgãos competentes para o efeito? E esse controlo,
do ponto de vista orgânico estará reservado à Administração executiva?
Mas será podemos dizer que a
jurisdição administrativa brasileira é, efectivamente, una? Ou será, pelo
contrário, dualista? Têm sido apontado critérios sobre os quais aborda o
assunto, nomeadamente o critério orgânico. Assim, e no entendimento de Sérvulo
Correia, existem duas barreiras subjectivas para o reconhecimento de jurisdição
administrativa sob o prisma orgânico no Brasil: primeiro porque a repartição de
competências entre tribunais e juízes não entronca nesse entendimento; em
segundo lugar porque não existi, efectivamente, uma organização especializada
no âmbito dos tribunais judiciais brasileiros. Para todos os efeitos a verdade
é que o critério orgânico de competência dir-nos-ia que existiria apenas um
juízo especializado para litígios administrativos mas não uma jurisdição
especializada.
Há quem tente criar um esboço de
uma jurisdição orgânica administrativa brasileira, tentando assim contrariar
outras tendências. Para tanto invocam um rol de competências em razão da
matéria, apelando a um critério material-objectivo. Estariam incluídas nestas
situações os casos dos mandados de segurança e os “habeas-data”, decisões da
competência exclusiva do juíz federal. Fariam igualmente parte deste leque as
chamadas acções populares e as acções civis públicas no âmbito federal, julgadas
também apenas pela justiça federal. Todos estes instrumentos processuais
serviriam assim à justiça administrativa para exercer um controlo sobre a
legalidade de determinados actos da Administração. Assim o determinava a
própria Constituição Federal brasileira.
Existirá, porém, e
verdadeiramente, uma jurisdição materialmente administrativa que permita
conduzir a entendimento diverso? É que, em bom rigor, os mecanismos processuais
brasileiros que acabam por tutelar o direito administrativo substantivo são as
que estão incluídas no processo civil pelo que poderíamos concluir pela
inexistência de relações materiais específicas daquele, não tendo, então, a
Administração Pública qualquer regime jurídico processual próprio. Todavia, a
questão é mais profunda do que esta análise superficial permite concluir. Em
primeiro lugar poderíamos dizer, acompanhando GUILHERME REZENDE, que a própria
função administrativa é passível de autocontrolo e de autotutela pelo próprio
órgão público actuante; em segundo lugar, e de acordo com o artigo 5º da CRB, a
jurisdição é plena nos efeitos submetidos ao judiciário inclusivamente nas
relações jurídico-administrativas; esta conclusão implica, naturalmente, a
previsão e existência de meios de tutela comuns e cautelares que tornem
efectiva aquela tutela. Assim, e consequentemente, todas as matérias que
abordem a licitação, contratos administrativos ou público, os serviços públicos
em geral, são relações administrativas regidas pelo direito administrativo de
forma directa ou indirecta. Por tudo isto pode então ser inferida a conclusão
da existência de uma jurisdição materialmente administrativa no Brasil, quando
a justiça federal julga os conflitos oriundos das supra referidas áreas e matérias. Ou seja, há, no fundo, um de Direito
Administrativo próprio de um regime material único que trata a Administração de
modo diverso e que se aplica diferenciadamente perante particulares. Temos,
portanto, também aqui, uma especialização do próprio direito material associado
a acções constitucionais especialmente previstas para determinado tipo de litígios
que envolvam a Administração.
Não é demais referir, ainda sobre
a temática, a existência de uma cada vez maior especialização da justiça
federal para o julgamento das relações jurídicas administrativas. A par de um
perfil de juízes federais acostumados a lidar com estas matérias, da criação
dos Juízos Especiais Federais e do cada vez maior número de acções incidentes
sobre questões jurídicas materialmente administrativas, não há senão um leque
crescendo de motivos para confirmar a questão inicial.
Um outro ponto essencial na
discussão do tema prende-se com a questão dos privilégios processuais
atribuídos à Administração. Assim, e apesar de se reger pelas regras
processuais civis normais, a Administração goza de prazos especiais como o do
quádruplo para contestar e o do dobro para recorrer, para além de privilégios
quanto aos efeitos da revelia, quanto à questão da admissibilidade de recurso
ou mesmo quanto à fixação de honorários, já que tantas vezes menos “penalizada”
acaba ele por ser.
Ou seja, apesar de a doutrina
maioritária considerar que inexiste no Brasil contencioso administrativo há,
ainda assim, vozes que procurar pronunciar-se no sentido contrário. Assim,
enquanto que para a primeira posição, e de acordo com o sistema dualista
francês, só poderia existir uma jurisdição una e universal; para a segunda
doutrina podemos retirar de alguns factores materiais auxílio próprio para
construir uma ideia de contencioso que foge ao significado jurídico contemporâneo.
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