quarta-feira, 23 de maio de 2012

Contencioso Administrativo no Brasil?


                 O sistema brasileiro, no que toca ao Direito Administrativo, apresenta-se como um isto entre o sistema de administração judiciária e a executiva. Isto porquanto, por um lado, confere aos tribunais comuns o controlo da actuação da Administração Pública, e ao mesmo tempo está fundado numa série de conceito da tradição francesa, conferindo-lhe, principalmente no âmbito da jurisdição materialmente administrativa, uma série de privilégios processuais. Mas será que a função administrativa é passível de controlo? Se sim, quais os órgãos competentes para o efeito? E esse controlo, do ponto de vista orgânico estará reservado à Administração executiva?

Mas será podemos dizer que a jurisdição administrativa brasileira é, efectivamente, una? Ou será, pelo contrário, dualista? Têm sido apontado critérios sobre os quais aborda o assunto, nomeadamente o critério orgânico. Assim, e no entendimento de Sérvulo Correia, existem duas barreiras subjectivas para o reconhecimento de jurisdição administrativa sob o prisma orgânico no Brasil: primeiro porque a repartição de competências entre tribunais e juízes não entronca nesse entendimento; em segundo lugar porque não existi, efectivamente, uma organização especializada no âmbito dos tribunais judiciais brasileiros. Para todos os efeitos a verdade é que o critério orgânico de competência dir-nos-ia que existiria apenas um juízo especializado para litígios administrativos mas não uma jurisdição especializada.

Há quem tente criar um esboço de uma jurisdição orgânica administrativa brasileira, tentando assim contrariar outras tendências. Para tanto invocam um rol de competências em razão da matéria, apelando a um critério material-objectivo. Estariam incluídas nestas situações os casos dos mandados de segurança e os “habeas-data”, decisões da competência exclusiva do juíz federal. Fariam igualmente parte deste leque as chamadas acções populares e as acções civis públicas no âmbito federal, julgadas também apenas pela justiça federal. Todos estes instrumentos processuais serviriam assim à justiça administrativa para exercer um controlo sobre a legalidade de determinados actos da Administração. Assim o determinava a própria Constituição Federal brasileira.

Existirá, porém, e verdadeiramente, uma jurisdição materialmente administrativa que permita conduzir a entendimento diverso? É que, em bom rigor, os mecanismos processuais brasileiros que acabam por tutelar o direito administrativo substantivo são as que estão incluídas no processo civil pelo que poderíamos concluir pela inexistência de relações materiais específicas daquele, não tendo, então, a Administração Pública qualquer regime jurídico processual próprio. Todavia, a questão é mais profunda do que esta análise superficial permite concluir. Em primeiro lugar poderíamos dizer, acompanhando GUILHERME REZENDE, que a própria função administrativa é passível de autocontrolo e de autotutela pelo próprio órgão público actuante; em segundo lugar, e de acordo com o artigo 5º da CRB, a jurisdição é plena nos efeitos submetidos ao judiciário inclusivamente nas relações jurídico-administrativas; esta conclusão implica, naturalmente, a previsão e existência de meios de tutela comuns e cautelares que tornem efectiva aquela tutela. Assim, e consequentemente, todas as matérias que abordem a licitação, contratos administrativos ou público, os serviços públicos em geral, são relações administrativas regidas pelo direito administrativo de forma directa ou indirecta. Por tudo isto pode então ser inferida a conclusão da existência de uma jurisdição materialmente administrativa no Brasil, quando a justiça federal julga os conflitos oriundos das supra referidas áreas e matérias. Ou seja, há, no fundo, um de Direito Administrativo próprio de um regime material único que trata a Administração de modo diverso e que se aplica diferenciadamente perante particulares. Temos, portanto, também aqui, uma especialização do próprio direito material associado a acções constitucionais especialmente previstas para determinado tipo de litígios que envolvam a Administração.

Não é demais referir, ainda sobre a temática, a existência de uma cada vez maior especialização da justiça federal para o julgamento das relações jurídicas administrativas. A par de um perfil de juízes federais acostumados a lidar com estas matérias, da criação dos Juízos Especiais Federais e do cada vez maior número de acções incidentes sobre questões jurídicas materialmente administrativas, não há senão um leque crescendo de motivos para confirmar a questão inicial.

Um outro ponto essencial na discussão do tema prende-se com a questão dos privilégios processuais atribuídos à Administração. Assim, e apesar de se reger pelas regras processuais civis normais, a Administração goza de prazos especiais como o do quádruplo para contestar e o do dobro para recorrer, para além de privilégios quanto aos efeitos da revelia, quanto à questão da admissibilidade de recurso ou mesmo quanto à fixação de honorários, já que tantas vezes menos “penalizada” acaba ele por ser.

Ou seja, apesar de a doutrina maioritária considerar que inexiste no Brasil contencioso administrativo há, ainda assim, vozes que procurar pronunciar-se no sentido contrário. Assim, enquanto que para a primeira posição, e de acordo com o sistema dualista francês, só poderia existir uma jurisdição una e universal; para a segunda doutrina podemos retirar de alguns factores materiais auxílio próprio para construir uma ideia de contencioso que foge ao significado jurídico contemporâneo.

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