domingo, 15 de abril de 2012

·        Acção popular e os interesses difusos



Enquadramento  


Miguel Sousa Tavares admite acção popular

Cidadãos recusam cruzar braços caso deputados não revoguem diploma.

O escritor Miguel Sousa Tavares assegurou ontem que o movimento de cidadãos contra a ampliação do terminal de contentores de alcântara avançará com uma acção popular se o decreto-lei que permite a obra não for revogado pelo parlamento.
O recém-criado movimento lançou ontem uma petição à assembleia da república pedindo a revogação do decreto-lei que permite a extensão da concessão à empresa Liscont e a triplicação da capacidade do terminal de contentores criando "uma muralha com cerca de 1,5 quilómetros com 12 a 15 metros de altura entre a cidade de lisboa e o rio tejo."
O escritor e jornalista Miguel Sousa Tavares, primeiro signatário da petição, garantiu que, se após a recolha das quatro mil assinaturas necessárias, os deputados não decidirem pela revogação do diploma, o movimento prosseguirá com a recolha de assinaturas para permitir uma acção popular.


in Diário de Noticias
28 Outubro 2008



Acção popular tenta travar corte do subsídio de insularidade

Por entenderem que há desrespeito pela lei e pela Constituição da República, um grupo de cidadãos entregou hoje no Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal uma acção popular com o objectivo de impugnar o corte do subsídio de insularidade decretado pelo conselho do Governo Regional na sequência do plano de ajustamento financeiro para a Região.
Os queixosos, naturais do Porto Santo e da Madeira, são representados pela Cristóvão Nunes & Menezes de Oliveira, sociedade de advogados.
Em declarações à TSF-M, Menezes de Oliveira diz que desta forma foram colocados em causa direitos adquiridos de quem vive nas ilhas tanto por parte do Governo regional como da própria República.

in Diário de Notícias
 17 de Fevereiro 20129


Desenvolvimento

Ao ler estas notícias, podemos ver que têm em comum a utilização da acção popular por parte de um grupo de indivíduos, de modo a verem garantidos os seus direitos. Mas o que é a acção popular? Qual a sua natureza jurídica? Como se concretiza?

Na nossa Constituição, acção popular é vista como um direito fundamental de acesso aos tribunais (artigo 20º da CRP). Ainda na CRP, encontra-especificamente prevista no artigo 52º, nº 3, no capítulo referente aos direitos, liberdades e garantias de participação política, sendo assim um instrumento de participação e intervenção democrática dos cidadãos na vida pública, de fiscalização da legalidade, de defesa dos interesses das colectividades e de educação e formação cívica de todos. No entanto, o autor popular nunca age em seu nome, mas antes em nome da colectividade ou comunidade a que pertence, já que estamos aqui a falar da defesa dos interesses difusos, visto não ser possível a apropriação dos mesmos.
O artigo 53º do CPA, consagra a legitimidade para protecção de interesses difusos (os que pertencem a todos os indivíduos, ou a pelo menos um grupo alargado destes, que se encontram numa situação de contitularidade de um bem decorrente de serem membros de uma mesma comunidade) aos cidadãos a quem a actuação administrativa provoque ou possa provocar prejuízos relevantes em bens fundamentais, como a saúde pública, habitação, educação, património cultural, ambiente, ordenamento do território e qualidade de vida.
A natureza destes direitos é bastante controversa.
Na definição de ROBIN DE ANDRADE, no seu trabalho sobre “A acção popular no Direito Administrativo Português”, o direito de acção judicial conferido pelo direito de acção popular é um direito autónomo à prestação de uma actividade jurisdicional, por parte dos órgãos competentes do Estado, traduzindo-se na atribuição de um direito subjectivo. Apesar de ser considerado um direito autónomo, ele não é de carácter abstracto nem desprovido de finalidade, sendo a garantia de determinado direito substantivo material.
PAULO OTERO por sua vez, defende que a acção popular trata-se de um verdadeiro direito fundamental que permite a quem não é titular de um interesse pessoal e directo o acesso aos tribunais, com o propósito de defender interesses da colectividade.
MARCELO CAETANO, por sua vez, considera que a acção popular constitui uma faculdade de fiscalização cívica, concedida a determinados indivíduos que satisfaçam certos requisitos de legitimidade, para, usando a via contenciosa, obterem a anulação de resoluções administrativas que considerem lesivas de interesses de colectividades locais ou, actuando em nome próprio e no interesse das autarquias, intentarem acções no foro judicial, necessárias para manter, reivindicar e reaver bens ou direitos do corpo administrativo. Nesta definição estão abrangidas as duas modalidades típicas de acção popular: acção popular supletiva, que visa suprir a inércia dos órgãos administrativos e, acção popular correctiva, forma de contencioso objectivo que tem por finalidade a defesa da legalidade administrativa.
Na doutrina (nomeadamente italiana) existe quem defenda a distinção clássica ente direitos subjectivos, interesses legítimos e interesses difusos, isto porque de acordo com os cânones liberais, quando a Administração Agressiva intervinha estabelecendo relações de poder com os administrados, estes não gozavam de quaisquer direitos, detendo apenas simples interesses que manifestavam no Contencioso Administrativo.  
Ao contrário desta doutrina, VASCO PEREIRA DA SILVA, não considera justificável esta destrinça, considerando que a concepção que trata de forma unitária as posições jurídicas dos indivíduos face da administração é a mais adequada: um individuo é titular de um direito subjectivo em relação à administração sempre que uma norma jurídica que não vise apenas a satisfação do interesse público, mas também a protecção dos particulares, resulte uma situação de vantagem objectiva, concedida de forma intencional, ou ainda quando dela resulte a concessão de um mero benefício de facto decorrente de um direito fundamental.

Deste modo, o autor refere a acção popular como um alargamento da legitimidade processual e procedimental, tornando sujeitos indivíduos e pessoas colectivas que não possuem um interesse directo na demanda – 9º nº2 CPTA
Por conseguinte, encara-se o actor popular como um sujeito do contencioso administrativo, dado que um estado democrático deverá basear-se numa função subjectiva, de protecção plena e efectiva dos direitos dos particulares (sujeitos privados que actuam para defesa de interesses próprios – 9 nº1CPTA), bem como preconizar uma função objectiva de tutela da legalidade e do interesse público – 9 nº2 CPTA. Assim, este actor popular actua independentemente de ter interesse directo e pessoal na demanda, prosseguindo a tutela objectiva de bens e valores constitucionalmente protegidos, ou seja quando tenham sido ofendidos valores comunitários

             Acresce mencionar, como salienta MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, que as acções populares não parecem ser concebidas pelo CPTA como tipos de acções especiais, mas como “ espécies qualificadas” relativas aos vários tipos de acções. Assim, podem propor – se acções administrativas especiais populares (impugnações de actos) ou acções administrativas comuns populares (abstenção de comportamentos), ou processos populares urgentes (intimações para a prestação de informação).


Bibliografia
- ALMEIDA, Mário Aroso de, “Manual de Processo Administrativo”, Almedina, 2010
-ANDRADE, Robin — A acção popular no direito administrativo Português, Coimbra, 1967.
-BIELSA, Rafael — A acção popular e o poder discricionário da administração, Revista Forense.
-MARQUES ANTUNES, O Direito de Acção Popular no Contencioso Administrativo, 1997
- SILVA, Vasco Pereira da, “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, Almedina, 2009.


Daniela Romeiro
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