O
Contencioso Administrativo no Brasil: uma análise comparativa
Introdução:
Os modelos de jurisdição administrativa utilizados pelos
países de tradição romano-germânica diferenciam-se do sistema de jurisdição una
(Modelo paradigmático do Reino Unido).
O presente trabalho, inspirado na visita feita a nossa
faculdade do professor… visa realizar um breve percurso histórico acerca do
Contencioso Administrativo de modelo francês estabelecendo uma relação com o
modelo de jurisdição una, nomeadamente o Sistema Brasileiro, reflectindo sobre
o contencioso administrativo no Brasil, debruçando-se, em concreto dos
argumentos apresentados a favor da existência de um contencioso administrativo
no Brasil.
Modelo Francês:
O contencioso administrativo surge com a Revolução
Francesa e em nome da separação de podres são conferidos à administração
poderes exorbitantes. Num 1º momento são os mesmos órgãos que actuaram que vão
controlar a administração. Não há estranheidade – característica essencial da
justiça. Quanto muito é o superior hierárquico que aprecia os actos do
subalterno. Este sistema de autocontrolo, de introspecção administrativa irá
marcar este período. Em 1799 Napoleão Bonaparte vai introduzir alguma autonomia
com a criação do Conselho de Estado, que o órgão administrativo especial
encarregado de julgar a administração. Trata-se de um órgão meio
administrativo, meio judicial, consultivo da administração, elaborava
elaborando pareceres prévios à decisão para ajudar a tecnicidade e perfeição
das decisões administrativas; pareceres estes que num 2º momento deixam se
necessitar da homologação da administração – esta começou a delegar os seus
poderes no Conselho. Há quem considere - MARCELO CAETANO e FREITAS DO AMARAL,
que foi em 1872 se deu o baptismo da justiça administrativa. VASCO PEREIRA DA
SILVA discorda pois os poderes de julgador e administração cominuam a estar
concentrados no mesmo órgão, aceitando no entanto que este modelo da justiça
delegada traz mais autonomia ao julgador.
Este é o modelo do Estado liberal que vai ser exportado
para o continente europeu com as revoluções Liberais e vai ser este o modo como
será compreendido o Contencioso Administrativo1
A pouco e pouco os órgãos especiais responsáveis por controlar
a administração acabam por se tornar verdadeiros tribunais. Conselho de Estado
vai tornar-se num órgão independente. À medida que Conselho de Estado ia
produzindo as suas sentenças estas eram consideradas como realidades autónomas
e independentes e a função de emitir sentenças vai-se autonomizando culminando
com uma separação de competências entre administração e o poder judicial. Com a
Lei Fundamental de Bona começa o processo da constitucionalização do direito
administrativo e que se vai generalizar a toda a europa nos anos 70/80.
Constituição de Bona vai entender que lógica da jurisdicionalização do
contencioso tem de ser acompanhada por uma mudança de paradigma: alargar
controlo dos tribunais e reforçar os seus poderes para que estes existam efectivamente
para a tutela dos direitos fundamentais dos particulares. Contencioso é
plenamente jurisdicional e existe para tutela dos direitos dos particulares.
Por último não posso deixar de mencionar a influência do Direito da União
Europeia (DUE) no Contencioso Administrativo – a Europa que começou por ser uma
União de Estados com fins meramente económicos, hoje é muito mais do que isso,
há quem afirme que embora não exista uma constituição formal, de ponto de vista
material, há regras de organização do poder político e regras de Direitos
Fundamentais.
Europa criou uma estrutura organizativa própria que passa
pelo Direito Administrativo. Hoje, no DUE, as regras da administração
aplicam-se a todos os contractos em que esteja envolvia a administração, (não
se faz a diferença a entre contractos administrativos e contractos privativos
da administração). O DUE trouxe a tutela cautela – o aspecto que faltava para
assegurar o sentido útil das sentenças dos Tribunais Administrativos.
Sistema do Contencioso
Administrativo Brasileiro:
Nas palavras do professor Sérvulo Correia: “O contencioso
administrativo é caracterizado por uma constante dinâmica evolutiva e pela
tendência de ganhar alguns contornos próprios em cada uma das ordens nacionais
que o acolheram”. 2
No Brasil, ao contrário do que aconteceu em França, não
foi adoptada a concepção de Montesquieu e optou por estabelecer uma ampla
definição de Estado democrático de Direito, dando grande relevo a defesa dos
direitos subjectivos. A primeira consagração do modelo administrativo
característico de um Estado Social de Direito ocorreu em 1891, com a adopção do
sistema de jurisdição única, segunda a qual é aquele em que todos os litígios -
de natureza administrativa ou de interesses exclusivamente privados - são resolvidos
pelo poder /tribunais judiciais, a chamada Justiça Comum. Assim, não haverá um
verdadeiro contencioso no Brasil, não nos mesmos moldes em que ocorre em
França. Esta questão, parecendo clara, foi algo com que abalada com a analise
crítica feita pelo professor Guilherme
Fabiano Julien de Rezende.3
Começa este por explicar segundo a concepção clássica por
referência do sistema dualista francês – o Contencioso Administrativo –
entendido como um instrumento da realização da jurisdição administrativa, de
uma jurisdição administrativa especializada - Isso vai levar a uma resposta
negativa – não há dualidade na administração. A jurisdição no Brasil é una.
Sistema unitário de jurisdição - art. 5 Constituição do Brasil – que trata dos
Direitos Fundamentais – exige o principio da universalidade da jurisdição,
significando, que a jurisdição é una. Este é o entendimento clássico, tradicional e
histórico do Contencioso Administrativo no Brasil.
Já a resposta afirmativa, defende o professor, no
sentido, de que existe Contencioso Administrativo no Brasil terá que passar por
um percurso argumentativo no sentido de tentar justificar um contencioso, que
embora não esteja consagrado de ponto de vista formal, consegue ser extraído de
alguns preceitos e de alguns institutos no Direito Brasileiro. Afirma o
professor, que há uma serie de indícios: preceitos constitucionais, legislação,
regime jurídico da Administração Pública, que nos levam a entender que sim, há
um CA, mas não no significado mais contemporâneo, que seria um instrumento de
jurisdição, minimamente qualificado pela própria matéria do Direito
Administrativo.
1. Nos
termos do art. 109 da Constituição Brasileira – aos juízos federais compete (é
um critério orgânico de competência). O Estado Brasileiro é um Estado Federal.
É composto por 4 entes federados – a união federal, os EM, os Municípios e as
Camaras Municipais? A chamada Justiça comum é dividida em Justiça federal e
justiça estadual (não há justiça municipal). Existe uma especialização por
matéria de um litigio judicial – competência em razão da pessoa – neste sentido
– os processos judicias, que são instrumentos para a composição do litigio em
que num dos polos, consta a União Federal, um Estado Federado ou uma empresa
federal (que compõem a administração pública indirecta) são de competência da
justiça federal – defende o professor que aqui temos um primeiro factor, no
sentido de que – os processos judiciais, matéria administrativa, que contém
polos a federação – temos um locus (local) competente para processar estes
litígios – é um sinal no sentido positivo – da existência do Contencioso
Administrativo.
2. No
Direito Brasileiro, a própria constituição brasileira, utiliza do termo
“processo” indistintamente – processo administrativo – para querer significar elemento
da composição dos litígios na esfera administrativa, (aquilo a que em Portugal
chamamos procedimento administrativo – no Brasil é o processo administrativo).
Mas “processo administrativo”, também é utlizado para significar o processo
judicial, que tem como especialidade a matéria administrativa. Indistintamente
é utlizado processo administrativo para falar em Processo administrativo na
esfera administrativa, e processo judicial administrativo, na esfera judicial.
Por outro lado quando existe um litígio que é encaminhado para a justiça
federal, pode também ser encaminhada para a justiça comum, mas já não em razão
da pessoa, mas uma competência em razão da matéria. Para o julgamento deste
processo especial administrativo, cabe ao juízo federal aplicar um direito
especial. No Brasil existe um regime jurídico da administração pública que é
diferente do regime jurídico comum. Então no Brasil, existe uma série de normas
e princípios que disciplinam a actividade da administração pública (embora o
processo judicial administrativo está inserido no direito processual civil).
Quando estes pedidos (de matéria administrativa) são levados ao “judiciário” é
sobretudo esta disciplina jurídico-administrativo e este direito material
administrativo que será aplicado na resolução do conflito. Conclui daqui o
professor que isso significa que existe Contencioso Administrativo no Brasil, porque
no próprio ordenamento brasileiro, estabelece no direito material, um regime
jurídico aplicado à administração pública, distinto do regime jurídico aplicado
às relações entre os particulares. Sabendo que há parcela do direito Privado, que
também é aplicada à administração pública (mas não por regra). A regra é: à
administração publica brasileira é aplicável um conjunto de regras e princípios
jurídicos, que decorrem do seu regime jurídico administrativo, e que é
diferente não sua totalidade das regras e dos princípios que disciplinam as
relações entre os particulares. Este segundo argumento, no sentido que existe
um contencioso administrativo, no sentido de uma especialização, do próprio
direito material, que será aplicado, ou que deverá ser aplicado, para a solução
dos litígios judicias administrativos.
3. 3º
Factor que aponta para a presença do contencioso administrativo no sistema
brasileiro:
Não só o direito material é
especializado, mas haveria alguns instrumentos processuais, que são presentes
na constituição de 88, alguns mesmo antes desta constituição e que são
instrumentos especializados em provocar a administração para decidir acerca dos
litígios/processos judicias administrativos. P.e. o mandado de segurança – está
previsto no art. 5 Constituição – “proteger direito líquido e certo”, não
amparado por habeus corpus, seja qual for a entidade responsável, pela
ilegalidade ou pelo abuso do poder. Aqui há uma realidade que é muito próxima
do contencioso administrativo. O Contencioso Administrativo como categoria
federal (direito administrativo global), oferece uma solução: a decisão
administrativa é tomada e se dela resultar um litígio judicial, que é entregue
ao “judiciário” e caberá a este, por meio contencioso administrativo resolver
este litígio. A questão que se coloca hoje – são os limites desta revisão. Não
se colocam dúvidas com a revisão em si (a pertinência da revisão não é posta em
causa), porém os limites desta revisão são problematizados. Tem-se entendido
apenas ser possível a suspensão em limine litis
do acto apontado como ilegal.
A existência de acções constitucionais,
no direito brasileiro, como o mandato de segurança (e há outras acções como a
acção popular, a acção directa de inconstitucionalidade por omissão, etc…).
Directa ou indirectamente estes instrumentos podem levar a revisão da decisão
administrativa ou a tutela da direitos que são de alguma forma desrespeitados
por uma decisão administrativa – o mandato de detenção conjuga as duas
perspectivas do contencioso administrativo – a revisão da decisão a
administrativa, que foi tomada com base em ilegalidade ou abuso de poder de
autoridade e a protecção de um direito liquido e certo, que é um direito
subjectivo. A presença de figuras processuais do tipo do mandato de segurança,
apontaria segundo o professor para a existência de um Contencioso
Administrativo no Brasil.
E por último – “as Prerrogativas
públicas da fazenda” – criticado por professor Vasco Perreia da Silva.
O Direito Processual no Brasil é um só.
As regras do processo se aplicam todas elas em matéria administrativa, tenham
ou não matéria administrativa. O CPC aplica-se de uma forma geral e o litígio
judicial administrativo insere-se no litígio judicial cível. Porem algumas
vezes, é conferido à administração, no processo judicial, uma posição de
ascendência em relação à outra parte. A Fazenda Pública, enquanto parte no
processo judicia tem 60 para responder, enquanto a parte civil tem 30. Para o
recurso ordinário, terá um prazo de dobro – 15 dias de regra geral, ela tem 30
dias. Os débitos judicias da Fazenda Pública têm um regime precatório, ou seja,
o próprio regime de execução é diferenciado, quando há dívidas da fazenda
pública. Mesmo no sistema precatório – há em relação à Fazenda Pública um
regime diferenciado de pagamento divididas, mas do outro lado seria uma
garantia do particular de que ele iria receber (e ele não recebe). Em Portugal
a CRP preocupou-se com a evolução do sistema e há vários estudos feitos sobre a
evolução do contencioso administrativo em Portugal; a preocupação hoje no
Brasil não é tanto de considerar ou não a existência de um contencioso
administrativo, o foco de estudos hoje está no processo administrativo, no
sentido valorizar, fazer com que a própria administração pública brasileira
confira relevância ao direito administrativo de forma a tornar o sistema
funcional, de modo a permitir que haja um contencioso que proteja os
particulares.
Conclusão:
O mero facto de se discutir se há ou não contencioso
administrativo no Brasil leva a concluir que embora possa falar-se de um
contencioso material, este ainda não adquiriu autonomia suficiente para que
possa ser autonomizado e como salienta o professor este nem sequer é o foco
principal, pois trata-se antes de fazer com que a administração pública não só
que decida cada vez mais (obrigar a administração a decidir e consagrar meios
para tal), como também que as decisões administrativas sejam tomadas com
paridade. O contencioso administrativo acompanha a evolução da sociedade e com
a cada vez maior exigência de protecção dos direitos subjectivos haverá uma
maior necessidade de autonomização da matéria administrativa.
1.
Este não vai ser o único
modelo na Europa – o sistema anglo-saxónico vai configurar o sistema da
jurisdição una – “julgar a administração nos Tribunais Comuns”.
2.
Sérvulo Correia na
“Modernização do Contencioso Administrativo
3.
Guilherme Fabiano Julien de
Rezende no “Há contencioso administrativo no Brasil? : uma análise comparativa
com a justiça administrativa portuguesa”
Bibliografia:
O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise,
Ensaio sobre as Acções no Novo Processo Administrativo (2ª Edição) – SILVA,
VASCO PEREIRA
DA
A modernização do Contencioso Administrativo – CORREIA,
SÉRVULO
Há contencioso administrativo no Brasil? : uma análise
comparativa com a justiça administrativa portuguesa – REZENDE, GUILHERME
FABIANO JULIEN DE
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